PAULO SILVA PINTO
Depois da passagem de Dilma Rousseff pela Presidência, será difícil para economistas heterodoxos emplacaram suas ideias nas grandes decisões nacionais, mesmo as que tenham potencial de, eventualmente, proporcionar avanços mais rápidos no processo de desenvolvimento do país. A heterodoxa Dilma abusou da interferência na economia, por meio de desonerações, empréstimos subsidiados e populismo tarifário que destruíram as contas públicas. Para muitos juristas e políticos, essa imperícia não é motivo para ela perder o mandato. Mas é impossível impedir que a situação do país — a maior depressão registrada até hoje — tenha algum nível de interferência no que o Legislativo vier a decidir sobre o destino da chefe de Estado.
Se Michel Temer substituir Dilma a partir de meados do próximo mês, cenário que hoje se desenha como praticamente irreversível, deverá apostar em um governo sem surpresas, de cunho eminentemente ortodoxo. Apontam para isso as indicações emitidas por ele de que seu ministro da Fazenda será Henrique Meirelles. Isso se soma ao documento Uma ponte para o futuro, produzido pelo PMDB no ano passado e endossado pelo atual vice-presidente da República.
A mudança radical na política econômica é vista com otimismo pelos mercados. Ontem, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, subiu 2,35% e o dólar recuou 0,83%, para R$ 3,52. São sinais de que agrada aos analistas um governo que atue sem surpresas quando o assunto é dinheiro. Não se trata de uma simples mensagem. É uma aposta de que a recessão vai acabar mais rapidamente com a atuação do ex-presidente do Banco Central (BC).
Inflação
Meirelles conduziu a autoridade monetária nos oito anos em que Luiz Inácio Lula da Silva esteve no poder. Não se furtou a elevar a Selic a 26,5% para trazer a inflação, que estava em dois dígitos, de volta à meta. Conseguiu conduzir mais tarde o juro ao que era, até então, a menor taxa da história. Atuou com dois ministros da Fazenda; primeiro, em total consonância, o ortodoxo Antônio Palocci, depois, em conflito com o heterodoxo Guido Mantega, que cobrava em público um afrouxamento da política monetária.
Mais do que demonstrar a preferência por Meirelles, Temer procurou indicar que o senador José Serra (PSDB-SP) não irá para a Fazenda — embora a linguagem prudentemente enigmática do vice deixe espaço para qualquer decisão futura. Essa informação foi crucial para o otimismo do mercado. Serra teve uma das atuações de maior destaque até hoje ao ocupar a pasta da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi também ministro do Planejamento, prefeito e governador. Provavelmente estará no gabinete de Temer em um cargo dos mais importantes. Mas sua eventual condução das finanças públicas é vista com desconfiança pelo mercado, ou com menos confiança do que a de Meirelles.
Serra foi professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na qual Dilma começou, mas não concluiu, o curso de doutorado. Muitos analistas acham injusto chamar o senador de heterodoxo. Argumentam que ele defenderia, sim, juros mais baixos, mas não sem construir um ambiente que permitisse isso, por meio de uma forte redução de gastos públicos. Do ponto de vista fiscal, é, portanto, um ortodoxo. O problema é que isso não é suficiente, dizem outros. Depois de um governo que promoveu rombos crescentes nas contas públicas, enviando um inédito orçamento com deficit ao Congresso, não há espaço para qualquer hesitação. A expectativa é de um Estado que caiba dentro do país.
Brasília, 11h36min