Filme de horror

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Que o Orçamento da União sempre foi considerado uma obra de ficção não é novidade para ninguém. Mas, na gestão da presidente afastada, Dilma Rousseff, todos os limites do bom senso foram superados. O rombo estimado para o governo federal de R$ 170,5 bilhões neste ano representa quase o dobro do buraco previsto pela equipe do ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que foi escalado pela petista para rebater os novos números. Vai dizer o quê? Se prevalecer a verdade, ele terá que assumir que, ao calcular a meta fiscal, com estimativa de deficit de R$ 96,6 bilhões, tentou camuflar a realidade, ou seja, enganar a população, como foi feito na campanha à reeleição de 2014.

 

A situação das contas públicas é de descalabro, como diz o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e pode ficar ainda pior se o Tesouro tiver de arcar com dívidas entre R$ 9 bilhões e R$ 40 bilhões da quebrada Eletrobras. Isso comprova que a administração de Dilma não economizou nos truques contábeis, que pedalou sem dó as despesas, que gastou o que não podia, que deu calote sem constrangimento e que sustentou privilégios a grupos específicos movidos pela corrupção. Agora, para corrigir tudo isso, o país terá que fazer um esforço monstruoso. Não haverá saída fácil. Mas, como sempre acontece, a maior parcela da fatura recairá sobre os mais pobres, que não têm como se proteger dos desarranjos da economia.

 

Na verdade, a destruição das finanças do país já tem punido a população desde o início de 2015, quando caiu a máscara da gestão desastrosa de Dilma. A gastança desenfreada provocou a disparada da inflação, que se mantém resistente, mesmo com os juros nas alturas — o IPCA-15 de maio, de 0,86%, foi o mais elevado para o mês desde 1996. O desemprego praticamente dobrou e bate recorde em todas as regiões do Brasil, sendo que, no Nordeste, reduto eleitoral do PT, o quadro é dramático. Há previsões de que os 11,1 milhões de desempregados de hoje no país se transformem em 14 milhões.

 

Arte de se superar

 

Apesar do espanto que o rombo projetado pelo atual governo provoca, pelo tamanho, era mais que esperado. Dilma sempre gosta de se superar para pior. Foi assim com o Produto Interno Bruto (PIB). Quando ela assumiu, em 2011, o país crescia a um ritmo de 7%. No ano passado, houve queda de 3,8% e, em 2016, o tombo pode chegar aos 4%. Desde 1930 e 1931, não se via dois anos seguidos de retração da atividade. A inflação de 10,67% em 2015 foi a maior em 12 anos. E mais: o Brasil não convive com uma taxa básica de juros (Selic), de 14,25% ao ano, desde 2006. Nas contas públicas, o buraco saltou de R$ 32,5 bilhões em 2014, para R$ 111 bilhões no ano seguinte, e, agora, alcançará R$ 170,5 bilhões.

 

É ou não é o retrato do desastre? O mais assustador, porém, é saber que não veremos a saída dos escombros tão cedo. Para Ivo Chermont, economista-chefe da Quantitas Asset Management, se tudo der certo na política econômica que será tocada por Meirelles, ainda veremos deficit público em 2017. O crescimento da economia, acredita ele, será de modesto 0,6%, com viés de baixa, e o desemprego continuará aumentando. “O governo Dilma escondeu demais o jogo. Mentiu na peça de ficção que é o Orçamento. Aumentou gastos no apagar das luzes, superdimensionou receitas. Não tinha como dar certo”, diz.

 

Chermont destaca que o rombo de R$ 170,5 bilhões, equivalente a 2,75% do PIB, representa apenas uma pequena parcela do buraco nas finanças do governo. Quando incluídos os gastos com juros, o deficit nominal chega nos 10% do PIB. Não há país emergente com um resultado tão ruim. Esses números ajudam a entender porque a dívida pública pulou de 52% para 67% do PIB desde que Dilma chegou ao Palácio do Planalto. Pelas estimativas de especialistas, se o governo não conseguir conter a gastança, o endividamento pode atingir o correspondente a 80% das riquezas produzidas pelo país até o fim do ano que vem. É por isso que o Brasil perdeu a chancela de bom pagador pelas agências de classificação de risco.

 

Risco da politicagem

 

Meirelles fala que o rombo de R$ 170,5 bilhões é realista e consistente com a realidade do país. Não apresentou, porém, medidas concretas para revertê-lo ao longo do tempo. Dada a situação, não há mais espaço para paliativos. Ou a administração de Michel Temer encara de vez o problema, sem politicagem, ou poderá pegar o chapéu e sair de cena rapidinho. O que o Brasil precisa neste momento é de um governo capaz, despreocupado com eleições e com força suficiente para convencer o Congresso da importância de aprovar projetos que vão mexer com interesses e reverter privilégios arraigados.

 

Em 2014, a maioria da população decidiu dar mais um mandato a Dilma, a despeito de todas as evidências de que ela estava quebrando o país. O processo de impeachment aberto pelo Senado pode apear de vez a petista do poder. Mas não encurtará o sofrimento da população, a quem caberá arcar com mais impostos e adiar o tempo da aposentadoria. Escolhas erradas fazem parte da vida. O que não pode é insistir no erro, justamente o que fez Dilma, mesmo tendo sido alertada sobre o caminho perigoso para o qual ela estava levando o Brasil.

 

“O que vimos nos últimos anos no governo foi um laboratório no qual se realizaram experiências terríveis. Mesmo com tudo de ruim que se produzia, as apostas eram dobradas”, afirma Ivo Chermont. Portanto, avisa ele, neste momento, apenas o diálogo não será suficiente para resgatar a economia e o país. Será preciso cortar na carne. Governo, empresas e famílias podem se preparar para um período difícil antes de o horizonte se abrir.

 

Brasília, 06h30min