POR SIMONE KAFRUNI
Mais de 60% do transporte de cargas e 95% da movimentação de passageiros do Brasil passam por rodovias. O aumento médio de estradas pavimentadas para suprir essa demanda, no entanto, é de apenas 1,5% ao ano, reflexo da drástica redução do investimento público em infraestrutura e, sobretudo, das confusas regras para concessão ao setor privado. O governo de transição do presidente interino, Michel Temer, promete facilitar as condições para os investidores. O que ainda se vê, contudo, são entraves que atrasam e encarecem obras essenciais para o desenvolvimento do país.
Nos leilões de rodovias federais em 2013, realizados a toque de caixa por meio do modelo fast track, que agilizava a aprovação dos projetos, as informações sobre o licenciamento ambiental não foram detalhadas. O resultado, pelo menos para a concessionária CCR, foram 44 pontos bloqueados na liberação para duplicação de 806 quilômetros da BR-163 em Mato Grosso do Sul, um entrave a cada 18 km.
No caminho da CCR estão oito áreas de terras indígenas e uma de quilombolas, 16 sítios arqueológicos e 18 acessos urbanos, além de uma Área de Preservação Ambiental (APA). A empresa terá que mudar o cronograma da duplicação e realizá-la de forma picada, com a instalação de mais bloqueios no início e no fim de cada trecho em obras. A projeção é de que a fragmentação encareça em 20% o valor do investimento na concessão, inicialmente orçado em R$ 5,5 bilhões. A CCR também teme não terminar no prazo previsto, em 2020.
Para Flávio Freitas, diretor da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), há falta de entrosamento entre os órgãos governamentais. “Estamos falando de uma rodovia que foi implantada há 40 anos. A BR-163 se situa numa faixa totalmente desapropriada, com faixa de domínio, que é do governo. Não é uma área nova”, explica. “É impossível atender todos os exageros. São dezenas de pontos que impedem a execução da obra numa sequência lógica. O correto é começar onde há mais tráfego. Se não houver apoio do governo para os órgãos chegarem a um consenso, ela pode não ser executada.”
Bom senso
A ABCR se reuniu com o governo para apresentar essas questões e buscar um entendimento. “Não somos contra o meio ambiente. Agora há de ter um mínimo de bom senso. Não pode haver politização. Por isso, o país tem obras retidas por quatro, cinco até oito anos em rodovias federais”, destaca Freitas. Um caso emblemático, lembra o executivo, é o trecho da BR-101 na Serra do Cafezal, ligação fundamental entre Sul e Sudeste, de Curitiba a São Paulo, cuja duplicação ficou paralisada por oito anos. “É conhecida como rodovia da morte, com altíssimo índice de acidentes fatais. Isso não é suficiente para acelerar o processo?”, indaga Freitas.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) afirma que a presença de bloqueios em trechos de obras lineares em função do licenciamento ambiental é fato comum. “O poder concedente e as concessionárias trabalham diuturnamente junto aos órgãos licenciadores e intervenientes visando à liberação de tais trechos”, alega. Além da BR-163, recentes trechos da BR-050/GO apresentaram trechos bloqueados na licença de instalação.
O órgão regulador diz que, durante os leilões, os estudos ambientais apresentam apenas os principais impactos e riscos decorrentes das obras e da operação da rodovia. “Para mitigar riscos e oferecer segurança suficiente para a participação de investidores, o poder concedente, por meio da EPL (Empresa de Planejamento Logístico), assumiu a responsabilidade pelo licenciamento ambiental dos empreendimentos para antecipar ao máximo o processo”, justifica a ANTT. “O modelo de concessões supõe a alocação de riscos de projeto ao concessionário”, emenda.
Paralisação
O caso da BR-163 é apenas um. A BR-153, concedida à Galvão Engenharia, teve as obras de duplicação paralisadas no ano passado. Em maio de 2014, a concessionária venceu o leilão para concessão por 30 anos de 624,8 quilômetros do trecho entre Anápolis (GO) e Aliança do Tocantins (TO). A operação da rodovia estava prevista para maio de 2015, porém, em dezembro de 2014, a concessionária deveria receber do BNDES um empréstimo ponte de mais de R$ 700 milhões, o que não ocorreu.
As obras foram interrompidas em março do ano passado e a concessionária passou a fazer apenas operações tapa-buracos e intervenções emergenciais com recursos próprios. Em junho, apresentou à ANTT um plano de retomada da concessão para garantir a continuidade do contrato. A companhia teme que seja realizada nova licitação. “Isso geraria demora e incertezas na viabilidade devido ao atual cenário brasileiro”, justifica a Galvão.
Brasília, 00h01min