Os ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e do Planejamento, Valdir Simão, tentaram dar um ar de seriedade ao anúncio do contingenciamento de R$ 23,4 bilhões do Orçamento de 2016, mas, na prática, legitimaram a farra fiscal. Eles avisaram, sem constrangimento, que o governo rasgou o compromisso de entregar superavit de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para encerrar o ano com rombo de quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB) — mais precisamente, R$ 60,2 bilhões.
Em um país sério, o descompromisso com o equilíbrio das contas públicas seria motivo de grande gritaria contra o governo. No Brasil, porém, o desajuste fiscal foi incorporado ao cotidiano como se fosse a coisa mais normal do mundo, como a inflação alta, a violência, a corrupção. Não há qualquer reação de indignação. Prevalece sempre o “aqui é sempre assim”. Enquanto isso, o país vai afundando, tragado pela recessão que pode ser a maior em quase 90 anos.
O mais preocupante é que a perspectiva de deficit leva em consideração receitas que podem não se concretizar, como a proveniente da recriação da CPMF. Sabe-se que a volta do imposto demandará uma longa negociação com o Congresso, que anda refratário a qualquer projeto que amplie a carga tributária. O partido que tem se posicionado com maior força contra a CPMF é justamente o PT, da presidente da República. Ou seja, se as receitas esperadas não se concretizarem, o buraco será maior, pois o governo já mostrou que não está disposto a fazer o ajuste fiscal por meio de corte de gastos.
Na opinião de especialistas, ao abrir a possibilidade de abater frustrações de receitas e despesas extraordinárias da meta de superavit primário, o governo institucionalizou a banda fiscal flexível que Barbosa tanto defende. É por isso que ninguém acredita em reversão do desajuste nas contas públicas e na interrupção do crescimento da dívida pública, que caminha rapidamente para os 75% do PIB. Sem economia para pagar os juros devido aos credores, o Tesouro Nacional terá que emitir mais títulos. Quer dizer: ampliar o endividamento.
Se esse quadro perdurar por muito tempo, o país chegará a uma situação alarmante, que lembrará, em muito, o início dos anos 1990, quando o fantasma de calote na dívida atormentava os investidores. O desarranjo das contas públicas faz com que os credores passem a pedir juros cada vez mais altos ao governo para financiá-lo. O prazo de vencimento dos papéis se reduz demais, dificultando o refinanciamento dos débitos. Hoje, mais de um terço da dívida, cerca de R$ 1 trilhão, está sendo rolado pelo Banco Central em até três meses.
Frustração
O governo diz que há má vontade dos agentes econômicos em relação ao esforço que vêm fazendo para arrumar as contas públicas. Alega que, se não fez o corte de gastos desejado pelo mercado, comprometeu-se a impor limites para as despesas, deixando até o salário mínimo sem aumento em caso de queda mais forte da arrecadação. Mas, para que o projeto seja aprovado, precisa de maioria absoluta no Senado e na Câmara, algo muito difícil de se obter diante da fragilidade da base política da presidente Dilma.
A perspectiva, ressalta Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Partners, é de que se repita o que se viu no ano passado, quando, a cada dois ou três meses, o governo anunciava uma nova meta fiscal. “Não é à toa que a credibilidade da política fiscal está no chão. Em vez de entregar o que prometeu, o governo Dilma frustrou os investidores. O ajuste prometido ficou sempre dependente do aumento de receitas, o que é impossível em tempos de recessão tão profunda”, diz.
A leniência fiscal deve prevalecer até 2018, último ano de mandato de Dilma. É difícil acreditar na promessa do ministro da Fazenda de que, em períodos de aumento das receitas, o governo fará uma economia maior para pagar juros da dívida pública. Isso poderia ter prevalecido nos tempos áureos da arrecadação, quando a economia crescia. A opção, no entanto, foi por ampliar os gastos, especialmente os obrigatórios, para atender os lobbies de setores organizados, vários dos quais envolvidos em esquemas de corrupção.
“A desconfiança vai continuar. E o resultado dela será mais recessão e desemprego”, afirma Velho. Ele lembra que o Palácio do Planalto defende o corte da taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano. Mas ficará cada vez mais difícil para o Banco Central afrouxar a política monetária com a gastança prevalecendo. “Se realmente quisesse juros menores, o governo deveria cortar gastos para reduzir a pressão sobre a inflação”, acrescenta.
O Brasil, infelizmente, tornou-se exemplo de aberração no mundo. Conseguiu, em cinco anos, destruir pilares que permitiram avanços extraordinários na economia. O equilíbrio nas contas públicas, construído a muito custo desde 1997, se esvaiu por completo. A inflação e o desemprego empurraram de volta quase 4 milhões de pessoas para a pobreza. É enorme o risco de o PIB cair por três anos seguidos, algo sem registro em mais de 100 anos de estatísticas. Esse é o Brasil de Dilma.
Brasília, 08h30min