Excesso de gasto reduz força de juros altos, diz John Cochrane

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POR SIMONE KAFRUNI

A comparação de economias desenvolvidas, nas quais os juros são próximos de zero e a inflação é baixa, com o caso do Brasil, em que a taxa de dois dígitos é incapaz de debelar a carestia em plena crise econômica, abriu-se um amplo debate sobre a eficácia da política monetária no controle do custo de vida. Em polêmico artigo, o economista André Lara Resende, um dos teóricos criadores do Plano Real, questionou como, depois de dois anos seguidos de queda do Produto Interno Bruto (PIB) e de aumento do desemprego, a taxa básica Selic ainda esteja em 13% ao ano e a alta dos preços persista.

Diante das evidências, Resende sugeriu uma reavaliação da teoria monetária ortodoxa, segundo a qual juros elevados reduzem a demanda, desaquecem a economia e contêm a carestia. Para endossar sua argumentação, Resende citou o trabalho de John H. Cochrane, professor de Finanças e Economia na Universidade de Stanford e pesquisador do Instituto de Pequisa de Políticas Econômicas da instituição (SIEPR, Stanford Institute for Economic Policy Research, na sigla em inglês). Cochrane é um dos mais destacados expoentes do debate acadêmico da teoria monetária. Em recente estudo, o professor conclui que o longo período de baixa inflação com taxas nominais de juros próximas de zero nos Estados Unidos, em países da Europa e no Japão sugere que a tese está errada. “Taxas de juros altas, no longo prazo, elevam a inflação”, defende o especialista norte-americano.

A controvérsia gerada pelo estudo entre os economistas brasileiros se justifica. Afinal, levanta a hipótese de que a política monetária praticada no Brasil nas últimas décadas foi equivocada, gerando gastos públicos mais altos e menor crescimento do que seria possível. Em entrevista ao Correio, Cochrane explica as relações entre altas taxas de juros e a persistência da carestia.

Seu recente trabalho sobre política monetária gerou polêmica entre teóricos ortodoxos brasileiros. Eles dizem que, devido à alta despesa pública no país, não há alternativa às altas taxas de juros para conter a inflação. O Brasil vive uma recessão há dois anos, com desemprego de 12% e juros de 13% ao ano. No entanto, a inflação continua alta. Como é possível?

Sua última observação parece provar a morte da curva de Phillips (conceito da macroeconomia desenvolvido pelo neozelandês Willian Phillips segundo o qual a relação da inflação e da taxa de desemprego são inversamente proporcionais). Quaisquer que sejam as ferramentas para reduzir a inflação, não é aumento do desemprego! Eu quero salientar que os artigos nos quais tenho trabalhado não se resumem à simples equação “juros altos, mais inflação, juros baixos, menos inflação”.

Qual sua tese então?

Os determinantes para o controle da carestia são a política fiscal e, especialmente, as expectativas de longo prazo da política fiscal. As pessoas confiam que seu governo terá os recursos para pagar suas dívidas por 10, 20 ou mais anos? E uma forte política fiscal, em última instância, vem do forte crescimento do lado da oferta. Não consigo pensar em um país com forte crescimento, forte política fiscal e vibrante demanda por dívida pública que tenha alta inflação. Assim como não acho que um país com baixo crescimento, desequilíbrio fiscal perpétuo e dívida instável em sua própria moeda (ao contrário da Grécia) não tenha inflação.

“A redução dos juros aumenta temporariamente a inflação antes de estabelecer a relação negativa de longo prazo”

O senhor ressaltou que as expectativas são fundamentais. Por quê?

As expectativas importam muito. As pessoas devem esperar que as baixas taxas de juros durem muito tempo para que elas sejam desinflacionárias. Os melhores exemplos históricos têm sido os programas conjuntos de estabilização fiscal-monetária. O Brasil teve alguns. O fim da hiperinflação na Alemanha é um exemplo ainda mais claro. Para corrigir o problema fiscal e a inflação e os juros caírem junto, é necessário um período de altas taxas de juros ou de desemprego. Os casos dos Estados Unidos e do Reino Unido na década de 1980 são os mais clássicos da história atual. Mas lembre-se: lá as altas taxas de juros foram seguidas por reformas fiscais e a inflação foi controlada muito mais rapidamente do que qualquer curva de Phillips possa sugerir.

Como o senhor vê a política recente dos bancos centrais, em todo o mundo, quanto às taxas de juros e suas consequências para a inflação?

Bem, o que sabemos é que a Europa, os Estados Unidos e o Japão tiveram um longo período de taxas próximas de zero. E, apesar das previsões generalizadas de “espiral de deflação”, hiperinflação de QE (quantitative easing, política monetária de flexibilização quantitativa, com a geração de dinheiro novo) ou volatilidade (provocada por razões externas), a inflação tem sido baixa. E estável. Sabemos também que a alta inflação e as altas taxas de juros estão juntas, como no Brasil agora. Então, o que vem antes: o ovo ou a galinha? Se as pessoas confiam na dívida do governo e compram os títulos mesmo com taxas baixas, isso pode levar à queda da inflação.

Os modelos macroeconômicos modernos apontam para isso?

De fato, essa é a previsão de modelos macroeconômicos modernos. As taxas negativas da Europa ocorrem junto com a inflação em declínio. E o aumento dos juros nos EUA está ocorrendo com um pouco de elevação da inflação. Ou seja, em todos esses países realmente parece que baixas taxas podem estar derrubando a inflação, enquanto juros ligeiramente mais altos estão elevando, timidamente, a carestia.

Isso poderia se aplicar ao Brasil?

De forma alguma estou dizendo que, com isso, o Brasil pode apenas baixar as taxas e esperar a queda da inflação! Eu não acho que isso vai funcionar. Além disso, tanto a teoria quanto a experiência mostram que a redução dos juros aumenta temporariamente a inflação antes de estabelecer a relação negativa a longo prazo.

“A inflação resulta de problemas fiscais, e sua solução, de prudência nas contas públicas”

Qual é a importância das contas públicas na equação juros e inflação?

Todo o meu trabalho mostra que é enorme. Na verdade, minha opinião sobre isso está firmemente enraizada na teoria fiscal do nível de preços: no fim, inflação resulta de problemas fiscais, e sua solução, de prudência nas contas públicas. Os bancos centrais podem mexer com essa realidade básica, mas não por muito tempo.

O Brasil tem atualmente deficit orçamentário. Mas, mesmo alguns anos atrás, quando havia um superavit primário, a taxa de juros era de dois dígitos. Como o senhor vê a relação entre gastos governamentais e inflação no mundo pós-crise de 2008?

Bem, claramente a relação entre inflação e política fiscal não é tão simples como “mais deficit = mais inflação”. Algumas economias — EUA, Japão, Europa — conseguem ter grandes dívidas e deficit sem inflação. A chave é a confiança. Ou seja: se as pessoas que detêm a dívida pública, incluindo o dinheiro (que é apenas um tipo diferente de dívida pública) pensam que o governo acabará por ser capaz de pagar suas dívidas. Se assim for, eles estão dispostos a permitir um deficit muito grande. Esse é o caso nos EUA, na Europa, no Reino Unido e no Japão.

Isso não é arriscado?

Há algum perigo, na minha opinião. As dívidas dos Estados Unidos são sustentáveis agora porque pagam taxas de juros muito baixas sobre elas. E as taxas são baixas porque os mercados de títulos entendem que, mais cedo ou mais tarde, os EUA vão corrigir seus problemas fiscais. Quando eles mudarem de opinião, mesmo sem deficit, vão cobrar juros mais altos. E a aplicação de altas taxas sobre um estoque de dívida muito grande pressiona o orçamento. Aí, o problema da dívida torna-se agudo. O impacto seguinte é a inflação disparar por conta própria. O Brasil parece já estar nessa segunda fase.

O que o Brasil deve fazer em termos de política monetária?

Eu não sei muito sobre a situação do Brasil. E não me sinto à vontade para dar conselhos.

O que um país em desenvolvimento como o Brasil tem que fazer para ter juros e inflação baixos como os países ricos? Seria possível no curto prazo?

Sim. Mas, para isso, é necessário um ambiente de confiança na economia e nas finanças do governo. A inflação se mantém baixa com juros baixos se as pessoas se sentem satisfeitas em segurar a moeda. Controlar e restringir o investimento no exterior são as primeiras medidas que os governos tomam para segurar o dinheiro no país. E apenas dizem: saiam se puderem. Isso, evidentemente, não é suficiente para resolver o deficit. O que é preciso garantir é a confiança de que não haverá expansão do deficit, controle de capitais, aumento de impostos ou outro caos qualquer. Aumentar tributos para ter mais receita com arrecadação tampouco funciona. Alta carga tributária compromete o crescimento. E países como o Brasil precisam de um crescimento robusto. E confiança de que o dinheiro investido está seguro, que a moeda e os títulos do governo são seguros. Sem essas pré-condições, baixas taxas de juros não vão ajudar.

Brasília, 11h30min

Vicente Nunes