Ex-ministros lançam carta em favor de uma economia de baixo carbono

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ROSANA HESSEL

A recessão profunda sem precedentes provocada pela pandemia de covid-19 e o descaso do governo Jair Bolsonaro em relação à preservação da Amazônia, que manchou a imagem do país no mundo inteiro, conseguiram unir economistas de linhas ortodoxas e heterodoxas em uma iniciativa inédita no país.

Depois de empresários e de fundos estrangeiros se manifestarem em favor do meio ambiente, demonstrando preocupação com o aumento do desmatamento no país, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central dos governos da nova democracia elaboraram juntos uma carta endereçada à sociedade defendendo uma economia de baixas emissões de carbono. No documento, eles colocam a questão ambiental como uma prioridade para o país conseguir entrar em uma rota de crescimento sustentável.

A carta aberta da iniciativa Convergência pelo Brasil tem as assinaturas Alexandre Tombini, Armínio Fraga, Eduardo Guardia, Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Krause, Gustavo Loyola, Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Joaquim Levy, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, Nelson Barbosa, Pedro Malan, Persio Arida, Rubens Ricupero e Zélia Cardoso de Mello. A iniciativa tem o apoio do Instituto Clima e Sociedade e do Instituto O Mundo Que Queremos.

No documento, os 17 signatários destacam que o Brasil já tem vantagens importantes neste campo, como um parque energético limpo e uso de combustíveis menos poluentes, mas têm negligenciado outros pontos essenciais, como o desmatamento crescente na Amazônia e do Cerrado.

“O momento é de sofrimento e angústia para todos. A perda de emprego e renda é uma realidade que aprofundará a desigualdade social. Os efeitos de longo prazo da pandemia serão severos, inclusive devido ao contexto fiscal ainda mais desafiador”, informa a carta divulgada nesta terça-feira (14/07). “Mas a crise também abre a oportunidade para convergirmos em torno de uma agenda que nos possibilite retomar as atividades econômicas e, simultaneamente, construir uma economia mais resiliente ao lidar com os riscos climáticos e suas implicações para o Brasil.”

“A questão ambiental também passa por produção sustentável”, afirma o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, no comunicado. “Cabem sim medidas de meio ambiente para retomar a economia.” Para o ex-presidente do BC Armínio Fraga, “já passou a hora de falarmos sobre meio ambiente” como crucial para uma política econômica sólida.

“Se não embarcarmos já em energia limpa e renovável, haverá dificuldade depois”, defende o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero. “Não podemos apenas repetir a economia anterior”. O ex-presidente do BC Gustavo Loyola defende que o Brasil deveria ser um dos líderes do processo ambiental. “Só com pressão social as coisas mudam”, destaca.

Quatro pontos pontos essenciais para que o Brasil insira o meio ambiente em sua política econômica foram elencados na carta São eles: alcançar a economia de baixo carbono, zerar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado, aumentar a resiliência climática e, por último, impulsionar pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias nesse mundo globalizado.

Na avaliação de Ricupero, o fato de economistas também defenderem essa bandeira de preservação ambiental pode ajudar a mudar a percepção da opinião pública de maior engajamento para o tema. “Não há dúvidas de que a presença de economistas que deram uma contribuição para o país empresta credibilidade para os ambientalistas. Daí a importância desse grupo. Ele traz valor adicionado”, comentou.

As informações sobre a iniciativa estão no site www.convergenciapelobrasil.org.br

Veja abaixo a íntegra da carta:

Uma convergência necessária: por uma economia de baixo carbono

14 de julho de 2020

A atual pandemia da COVID-19 evidenciou a importância de tornar economias globalmente  interligadas mais resilientes a choques com impacto sistêmico. Desde a Segunda Guerra Mundial, o mundo não vivia uma crise tão profunda, seja pela quantidade de vidas perdidas, seja pelos seus catastróficos efeitos sociais e econômicos. Esse aprendizado se aplica com grande propriedade à mudança do clima, um risco ainda maior para todo o planeta.

O momento é de sofrimento e angústia para muitos. A perda de emprego e renda é uma realidade que aprofundará a desigualdade social. Os efeitos de longo-prazo da pandemia serão severos, inclusive devido ao contexto fiscal ainda mais desafiador. Superar a crise exige convergirmos em torno de uma agenda que nos possibilite retomar as atividades econômicas, endereçar os problemas sociais e, simultaneamente, construir uma economia mais resiliente ao lidar com os riscos climáticos e suas implicações para o Brasil.

Dependendo do cenário climático que iremos encontrar, os custos de descuidar de eventos climáticos com repercussões sistêmicas poderão ser bem maiores do que os da atual pandemia. Além disso, os potenciais efeitos calamitosos que a mudança do clima pode causar à estabilidade financeira já têm levado bancos centrais a internalizar os riscos climáticos em suas análises macroeconômicas, de acordo com o próprio Bank for International Settlements (BIS), e os mercados financeiros a reconhecer e precificar, de forma transparente, tais riscos de longo prazo. Mais especificamente, a reprecificação dos ativos mais expostos à mudança climática e outros custos de transição, como o financiamento da transformação de setores da economia, terão crescente impacto na poupança privada e no funcionamento dos mercados de capital.

Os cientistas do clima e o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vêm há muito alertando para os riscos associados ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Nos últimos cem anos, a temperatura global média subiu aproximadamente 1,1oC, aumentando mais recentemente a frequência e a intensidade de tempestades, ondas de calor, enchentes, secas e elevando o nível dos oceanos. Baseada nas evidências e em modelos cada vez mais precisos, a comunidade científica vem advertindo que a continuidade da tendência de aquecimento global poderá trazer mudanças irreversíveis a muitas formas de vida e sérios impactos à produção agrícola e condições de vida, especialmente nas regiões tropicais.

A seriedade dos riscos físicos das mudanças climáticas e a complexidade dos riscos de transição  demandam que os governos, o setor privado, a sociedade civil e a comunidade internacional se antecipem aos previsíveis impactos negativos de longo prazo, construindo desde já uma economia de baixo carbono e, ao mesmo tempo, mais resiliente e adaptada aos desafios futuros. O governo tem um papel essencial em alinhar incentivos e expectativas, criando um ambiente favorável à ação sustentável do setor privado e do mercado. No setor privado, a crescente disciplina da precificação dos riscos ambientais, inclusive sistêmicos, deverá fortalecer o compromisso com os objetivos de governança, sociais e ambientais.

A recuperação da economia pós-COVID-19 oferece oportunidades importantes para promover a economia de baixo carbono e sustentável, em um momento em que o mundo atravessa importantes e rápidas transformações nos mercados de capital e de trabalho.  Mais do que o volume do gasto público, o impacto de longo prazo da ação fiscal se dará pela escolha de como esse gasto será efetuado, estimulando ações que alavanquem as vantagens comparativas do país e contribuam para a produtividade de longo prazo da economia e a criação de empregos.

O Brasil tem evidentes vantagens como economia de baixo carbono, dada a composição de sua matriz energética, a abundante radiação solar, agricultura pujante produtora de vultosas quantidades de biomassa, recursos hídricos e florestas extensas e biodiversas. Em função de tais vantagens comparativas, é do interesse do país estar entre os líderes da transição para uma economia mundial carbono-neutra.

Por isso, nós, ex-Ministros da Fazenda e ex-Presidentes do Banco Central do Brasil, subscrevemos este documento e defendemos que critérios de redução das emissões e do estoque de gases de efeito estufa na atmosfera, e de resiliência aos impactos da mudança do clima sejam integrados à gestão da política econômica. Esses critérios já são, e serão cada vez mais, baseados em tecnologias compatíveis com o aumento da produtividade da nossa economia, a geração de empregos e a redução da desigualdade no Brasil. Além disso, a descarbonização significa a valorização da nossa economia no longo prazo, uma consideração cada vez mais importante para investidores internacionais.

Gostaríamos, com esse propósito, de indicar alguns princípios para descarbonizar a economia brasileira e, simultaneamente, aumentar a sua produtividade. Os desafios não são triviais, mas temos um caminho por onde seguir.

  1. Alcançar a economia de baixo carbono. Investimentos públicos e privados devem apoiar a transição da economia brasileira para um padrão de emissões líquidas de carbono zero, indispensável para estabilizar a temperatura média global.

Soluções e tecnologias com baixa emissão de carbono já se mostraram de alto retorno sobre investimento, como demonstrado com as energias renováveis, os investimentos em eficiência energética, as construções eficientes em uso de energia, e os modais de transportes de baixa emissão.

A energia elétrica de origem eólica produzida no Nordeste, por exemplo, além de barata já equivale a quase 90% da energia consumida na região. Quase 20% da nossa produção de soja já é transformada em biodiesel, contribuindo para a prosperidade do produtor rural e redução das emissões de carbono. Há inúmeras outras oportunidades no setor de energia e em novos modelos de negócio de alto retorno e baixo impacto ambiental como os promovidos pela digitalização da economia.

Um passo crucial para a transição para uma economia de baixo carbono é eliminar subsídios a combustíveis fósseis, seguido da promoção de mudanças regulatórias voltadas à sustentabilidade, sem prejuízo da eficiência.

Estimular a criteriosa emissão de ativos financeiros verdes, e incluir requisitos ambientais em licitações e nas práticas orçamentárias podem ser instrumentos de indução de uma economia mais descarbonizada.

Ampliar a cooperação internacional em relação ao clima contribuirá para alinhar as políticas e ações públicas, conjuntamente apoiadas pela iniciativa privada e pela sociedade civil, aos compromissos assumidos no Acordo de Paris.

É fundamental mobilizar fontes de financiamento privadas para iniciativas ligadas à mitigação e adaptação vis-à-vis a mudança do clima, assim como deveríamos ampliar a nossa ambição em relação à ação climática e implementar as Contribuições Nacionalmente Determinadas.

  1. Zerar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado. O desmatamento no Brasil responde hoje por emissões de CO2 substancialmente maiores do que as de todo nosso setor industrial ou do setor de transporte — não obstante a grande dependência brasileira do transporte rodoviário movido a óleo diesel. Além disso, o risco de mudanças dos ciclos de chuvas originadas na Amazônia causadas pelo desmatamento tende a afetar negativamente a nossa agricultura e a produção de energia hidrelétrica notadamente no Centro-Oeste.

O retorno financeiro do desmatamento — especialmente na Amazônia — é, assim, baixo e certamente negativo quando se considera, além da biodiversidade e os serviços ambientais e climáticos, o impacto reputacional sobre o país. O prejuízo do desmatamento tem levado diversos parceiros comerciais importantes e investidores estrangeiros no Brasil a expressarem veementemente seu descontentamento e preocupação, que certamente se traduzirão em menores fluxos de comércio e investimentos no país.

O controle para o cumprimento das leis de proteção ambiental é uma maneira efetiva de mitigar emissões e evitar o mau uso do patrimônio público constituído pelas florestas em áreas da União, tanto as sem destinação específica, como as que formam Unidades de Conservação, assim como o desrespeito ao direito representado pelas Terras Indígenas estabelecidas por lei.  A intensificação da pecuária e a expansão da agricultura sobre áreas de pastagens, inclusive degradadas, permitem responder à crescente demanda pelos nossos produtos sem prejuízo das áreas naturais. Como parte de uma estratégia de desenvolvimento da Amazônia que reflita as vantagens e desafios da região e incorpore áreas urbanas, rurais e de floresta, urge apoiar um aproveitamento não destrutivo e de base científica da biodiversidade, com maiores retornos econômicos e sociais para todo o País.

  1. Aumentar a resiliência climática. O Brasil já sofre com extremos climáticos do presente, como enchentes e secas. Aumentar nossa resiliência climática também traz um grande dividendo social, já que os extremos climáticos tendem a atingir desproporcionalmente as populações mais pobres. A maioria das ações que buscam o aumento da resiliência climática são medidas de desenvolvimento com altos retornos econômicos e sociais.

Se nada for feito, as mudanças climáticas simplesmente vão agravar os impactos. Portanto, é necessário investir em capacidade técnica para podermos aumentar a resiliência climática do país, identificando nossas maiores vulnerabilidades, avaliando os riscos, e adaptando nossa infraestrutura, inclusive urbana, de acordo.

A expansão de investimentos sustentáveis, como no saneamento, por exemplo, tem um impacto social tão ou mais imediato e importante que suas implicações ambientais. As chamadas soluções baseadas na natureza, que incluem a adaptação baseada em ecossistemas, são também promissores mecanismos para a expansão da infraestrutura necessária para melhorar a qualidade de vida do nosso povo e gerir os riscos climáticos.

  1.   Impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias. A pesquisa científica e a aplicação de novas tecnologias que propiciem soluções e promovam modelos de negócio de baixo carbono são ingredientes importantes para aumentar a produtividade e competitividade de nossa economia, sobretudo num contexto de crescente digitalização da economia global.

Frente a todos esses desafios e também oportunidades, nós estamos dispostos a contribuir para a construção de uma agenda concreta para tornar a economia de baixo carbono realidade e mitigar os enormes riscos associados à mudança do clima global.  O momento exige convergência para que seja possível construirmos um futuro mais sustentável, inclusivo e próspero para a atual e as futuras gerações.

Alexandre Antônio Tombini

Armínio Fraga

Eduardo Guardia

Fernando Henrique Cardoso

Gustavo Krause

Gustavo Loyola

Henrique Meirelles

Ilan Goldfajn

Joaquim Levy

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Maílson da Nóbrega

Marcílio Moreira

Nelson Henrique Barbosa Filho

Pedro Malan

Persio Arida

Rubens Ricupero

Zélia Cardoso de Mello

Vicente Nunes