ROSANA HESSEL
A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), que atraiu um exército de investidores pessoa física em 2019 devido à queda na rentabilidade de aplicações conservadoras, vem assistindo a uma debandada de capital estrangeiro como nunca antes vista. Em meio ao aumento das incertezas no mercado em função da pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, e ao aumento da desconfiança em relação ao governo, aplicadores não-residentes estão batendo em retirada da B3 neste ano em volume mais acelerado do que no ano passado, que foi recorde.
A saída líquida de estrangeiros da Bolsa foi de R$ 65,5 bilhões no acumulado do ano até o último dia 16, conforme dados da B3 entre as compras e vendas de ações no mercado secundário. Esse montante superou em 46,9% o recorde histórico para um ano registrado em 2019, quando a debandada de investidores não residentes somou R$ 44,6 bilhões.
E tudo indica que essa saída continuará aumentando uma vez que o sobe e desce do Índice Bovespa, principal indicador da B3, deve continuar instável, podendo encerrar o ano no vermelho pela primeira vez desde 2015. Em valor de mercado, a Bolsa perdeu quase R$ 1,4 trilhão no acumulado do ano, pelas estimativas da Economática.
O ciclo de cortes na taxa básica de juros (Selic) iniciado pelo Banco Central em julho do ano passado deixou as aplicações conservadoras, como poupança e fundos de renda fixa, menos atraentes e fizeram a B3 mais atraente para o pequeno aplicador. Em março, o número de investidores pessoa física bateu recorde de 2,2 milhões.
Atualmente, a Selic está em 3,75% e as expectativas do mercado são de que os juros devem continuar caindo uma vez que a inflação tem se comportado bem abaixo da meta, de 4%. No acumulado em 12 meses até abril, a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficou em 3,3%, e as apostas são de novos cortes na Selic neste ano devido à atividade fraca.
Pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deverá encolher 5,3% em 2020. Essa previsão é mais pessimista do que a nova mediana das estimativas do mercado, contabilizadas pelo Banco Central, de queda de 2,96%. Na semana passada, a previsão era de um recuo de 1,96%.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, que prevê queda de até 4,1% no PIB brasileiro neste ano, ressalta que o risco no Brasil vem aumentando diante do agravamento da crise provocada pelo novo coronavírus e, como consequência do aumento dos gastos do governo para conter os efeitos da pandemia na economia, a tendência de piora nas contas públicas também deve afastar investidores do país.
Na avaliação de Alessandra, há uma aversão maior ao risco país que está crescendo e, nessa conta, os analistas já estão incluindo a piora no cenário político, porque o presidente Jair Bolsonaro continua na contramão dos demais governantes ao minimizar a doença e insistir no afrouxamento do confinamento antes mesmo de a curva dos contágios atingir o pico. Com o aumento das tensões com o Congresso, o presidente poderá ter dificuldades para encaminhar as reformas estruturais para ajustar as contas piorar que devem piorar devido à necessidade de aumento de gastos para combater a Covid-19, quando a pandemia for controlada.
“O mercado está bastante volátil porque os analistas estão começando a incluir na conta o risco político, apesar de muitos não admitirem. E a piora do cenário fiscal deverá vir com novos rebaixamentos da classificação dos títulos do governo”, alerta. “A conta vai ser bem grande e nosso ponto de partida é o fiscal melhorando muito devagar, podendo comprometer a recuperação econômica nos próximos anos por conta da pandemia”, destacou ela, que estima a dívida pública bruta indo para 87% do PIB neste ano. Já o FMI, que tem uma metodologia diferente para o cálculo, prevê que a dívida pública bruta do Brasil suba para 98,2% do PIB, o que é preocupante se o governo não tomar medidas para conter o aumento de gastos a partir do próximo ano.
“O governo não poderá gastar desordenadamente, mas o risco de isso acontecer é grande. E o cenário que estamos vendo é o Brasil, que não tinha conseguido se recuperar da recessão de 2015 e 2016 e deverá continuar registrando uma retomada mais lenta do que os demais países”, destaca. Para Alessandra, os riscos domésticos continuam elevados e, por conta disso, o Banco Central tem demonstrado resistência para cortar mais a Selic como o mercado está pedindo. “Há um componente forte de risco doméstico, inclusive político, que está sendo contabilizado e, por conta disso, acho que dificilmente a Selic irá para 2%, como algumas casas já estão prevendo”, afirma.
Ao comentar a recente mudança na perspectiva da Standard & Poor’s de “positiva” para “estável” para os títulos soberanos do Brasil, a economista considera a sinalização sintomática do sentimento de preocupação com a retomada lenta do país e do aumento dos riscos de que as mudanças estruturais nos gastos complementares à reforma da Previdência não terem avançado e, agora, terem ficado para o próximo ano. “A recuperação será mais gradual e, por conta disso, o risco de rebaixado é grande, porque o ambiente político tende a piorar e pode gerar um risco importante no radar”, alerta.
A atual nota de classificação de risco do país está em BB-, três degraus abaixo do grau de investimento para os títulos soberanos de longo prazo em moeda estrangeira. Esse é o selo de bom pagador para as dívidas soberanas.
Um dos termômetros de risco dos papéis do governo brasileiro, o CDS (Credit Default Swap), estava em 285,9 pontos na manhã desta segunda-feira, registrando alta de 211,3% sobre os 91,8 pontos de 20 de fevereiro, conforme dados do site World Government Bonds.
Fluxo negativo
O fluxo cambial também comprova esse movimento de retirada de investidores desconfiados em 2020. A saída líquida de recursos do país somou US$ 13,3 bilhões do país no acumulado de janeiro até 9 de abril, conforme dados do Banco Central. Nesse mesmo período do ano passado, o saldo estava positivo em R$ 2,5 bilhões. Apenas o fluxo de retirada da conta financeira ficou negativo em R$ 29,2 bilhões, comprovando a saída dos investidores estrangeiros.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, lembra que a saída de investidores estrangeiros da B3 está mais relacionada com o contexto externo do que o doméstico, devido ao aumento dos riscos nos mercados emergentes diante desse cenário de pandemia global. Ele destaca que há um fluxo de migração do capital para mercados considerados mais seguros e que vinha se intensificando desde o ano passado com o aumento das tensões comerciais entre China e Estados Unidos.
“Esse movimento é normal em períodos de instabilidade e, por conta disso, as moedas dos países emergentes estão derretendo de forma generalizada”, afirma Sanchez. “O Brasil não está sozinho nesse cenário de fuga dos países de risco elevado”, complementa.
Na contramão da Bolsa, o dólar continua valorizado frente às moedas dos países emergentes devido a esse cenário externo mais instável. Para Sanchez, a divisa norte-americana deverá continuar forte e se estabilizar acima de R$ 5 daqui para frente. “Essa é a nova realidade, mas a moeda poderá encerrar por volta de R$ 4,70 se a pandemia for dissipada dentro de três meses”, destaca.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, acredita que o mercado de ações vai sobreviver a mais essa crise e, apesar da alta volatilidade no momento. Ele recomenda que é preciso encarar a Bolsa como uma forma de investimento mais de longo prazo.
“A Bolsa é uma das formas mais baratas de as empresas se capitalizarem, conforme e a expectativa de retorno. Quando os juros muito altos, como no passado, o capital acaba empoçado em título público. Agora, com a Selic no menor patamar da história, a Bolsa começou a ter mais visibilidade. As pessoas estão aprendendo que, para ter maior retorno, é preciso correr mais riscos. Faz parte do jogo”, afirma Agostini.
Semana conturbada
O IBovespa abriu em queda nesta segunda-feira (20/04), chegando à mínima de 76.942 pontos, em meio à forte queda nos preços do petróleo que tem derrubado as bolsas internacionais devido à falta de demanda que não esvazia os estoques abarrotados do produto. Por volta das 12h30, a B3 estava em 77.985 pontos, registrando recuo de 1,27%. Já o dólar disparou novamente e encostou em R$ 5,30 diante do agravamento da crise política.
Até a última sexta-feira, a B3 acumulava desvalorização de 31,7% no ano em meio ao aumento das incertezas da retomada da economia diante da pandemia da Covid-19.
Apesar da forte queda na Bolsa no ano, a participação o aplicador pessoal física ficou em 17,5% em abril, conforme dados da B3. Esse dado é levemente acima dos 16,2% em março, conforme os dados da B3 até o dia 16, que possuem defasagem de dois dias. Já a fatia dos estrangeiros diminuiu entre abril e março, passando de 48,4% para 45,3% do total de investidores. Enquanto isso, os investidores institucionais ocuparam esse espaço e passaram de 31,1% para 32,9% no mesmo período.