» DIEGO AMORIM
Em um país à beira do racionamento de energia, o governo está longe de dar exemplo de economia. A escalada da conta de luz, acompanhada das ameaças de apagão, obrigou os consumidores a se sacrificarem no dia a dia, mas os órgãos públicos não parecem preocupados. Se na casa dos brasileiros manter iluminados cômodos vazios virou — mais do que nunca — algo inaceitável, salas, corredores e gabinetes de ministérios e de autarquias continuam às claras, para quem quiser ver, fora do horário do expediente.
Na última década, os gastos da União com energia em dependências do setor público federal espalhadas pelo país saltaram 62,8%. O montante — não incluindo as contas das estatais — pulou de R$ 921 milhões, em 2004, para R$ 1,5 bilhão no ano passado, conforme levantamento da Associação Contas Abertas, com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf), do governo. A diferença engloba reajustes tarifários e aumento de consumo.
Basta um passeio pela capital do país à noite ou durante a madrugada para perceber a incapacidade dos gestores de levarem a sério a crise energética. Na última terça-feira, com exceção do prédio da Defesa, os outros 16 ministérios mantinham luzes acesas no térreo e em praticamente todos os nove andares, apesar dos estacionamentos vazios. Perto das 22h, computadores e um projetor multimídia podiam ser vistos ligados às moscas.
Os órgãos flagrados esbanjando claridade na noite brasiliense alegam ser possível que servidores ainda estivessem no batente, o que, segundo comunicados oficiais, explica a quantidade de lâmpadas ligadas na Esplanada esvaziada. “A verdade é que só pobre faz racionamento”, desabafa o taxista Charley Sales, 40 anos, indignado com o clarão dos prédios.
Desleixo
Na sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a despeito dos estacionamentos desertos, a iluminação interna do prédio de quatro andares — vista de todos os ângulos — era evidente perto das 22h da última terça. Numa das salas desabitadas, a tela azul de um computador ilustrava o desleixo de servidores. Seguranças tentaram justificar informando que havia funcionários terceirizados no prédio, embora não pudesse ser notada qualquer movimentação.
Em nota, o órgão disse que pretende implantar plano emergencial de redução de energia e acrescentou que estão em andamento serviços noturnos de troca do sistema central de ar-condicionado, a serem concluídos nas próximas semanas. “Temos que dar o exemplo”, admite o Dnit.
No segundo andar do Ministério da Saúde, um projetor multimídia restou ligado pouco antes das 22h. A sala estava vazia por mais de 20 minutos. Em resposta, o órgão enalteceu o corte no gasto com energia desde 2012 e antecipou que prepara campanha interna sobre o tema. Informou, ainda, que a equipe de plantão monitora lâmpadas acesas.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) diz que, para evitar o desperdício, brigadistas fazem rondas periódicas na sede, apagando interruptores. Na noite da última terça-feira, o prédio exibia luzes acesas em todos os andares. O INSS argumentou que se tratou de situação excepcional, com empresas terceirizadas atuando na manutenção de ar-condicionado. Seguranças falaram em “trabalho de pintura”.
O Itamaraty, cujas luzes do anexo chamavam a atenção nas noites da semana passada, argumentou que as áreas comuns são mantidas acesas enquanto houver servidores. “Os funcionários são instruídos a desligar o ar-condicionado e a apagar todas as luzes ao fim de cada jornada”, alegou o órgão, em nota. A orientação nem sempre é seguida.
No Ministério da Justiça, mais computadores e luzes ligadas em salas sem movimento. O órgão disse ser comum ocorrerem reuniões em locais atrelados a outras salas de trabalho, obrigando a manter equipamentos funcionando. Em quase 30 minutos, o Correio não viu ninguém entrar ou sair dos ambientes.
O Ministério da Integração Nacional, o segundo que mais aumentou o gasto com energia em 2014 — alta de 25,2% —, informou que suas salas têm iluminação individual com placas orientando o consumo consciente. O Ministério do Planejamento afirmou que o desligamento padrão ocorre às 19h, mas, na última terça, algumas secretarias funcionaram após as 21h.
Planalto às claras
O Palácio do Planalto, local de trabalho da presidente Dilma Rousseff, tem mais de 100 lâmpadas só na iluminação externa voltada para a Praça dos Três Poderes. Os saguões internos ficam acesos a madrugada inteira. O governo alegou “questões de segurança patrimonial e predial do bem público”. “É claro que algo pode ser feito para economizar. É falta de respeito com a população”, comenta o engenheiro Adilson de Oliveira, especialista do setor elétrico.
Foto: Daniel Ferreira/CBpress
Minas e Energia dá mau exemplo
Nem o Ministério de Minas e Energia (MME), responsável por gerenciar as políticas do setor elétrico, foge à regra do mau exemplo. Pelo contrário, é um dos mais iluminados. Após as 19h, percebe-se, dos dois lados do prédio — também ocupado pelo Ministério do Turismo —, que não há quase ninguém trabalhando. No entanto, andar por andar, de uma ponta à outra do edifício, as salas permanecem reluzentes até as 21h, de segunda a sexta-feira.
Na última terça, tudo seguia às claras no MME, com apenas seis carros no estacionamento externo. “Até por questão de segurança e para não deixar todo mundo no escuro, não podemos apagar 100% das lâmpadas”, argumenta o subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração da pasta, Marcelo Cruz. Desde março de 2013, um “moderno sistema”, conta ele, reduz, aos poucos, a carga de energia até o relógio marcar 21h, quando as luzes se apagam. No flagrante do Correio, a densidade da rede, segundo Cruz, estaria em 1%.
Desde o racionamento de 2001, os órgãos públicos prometem melhorias para acabar com o desperdício escancarado. Na Esplanada, até pouco tempo atrás, modelos de iluminação ultrapassados não permitiam nem interruptores em cada sala, o que dificultava a economia. Com películas e persianas, os ministérios dependem da luz artificial mesmo com o sol a pino. “O governo não faz o dever de casa em coisas simples”, desabafa Gil Castelo Branco, fundador da Contas Abertas.
Há 14 anos, em meio à grave crise energética que agora volta a assombrar os brasileiros, memorandos internos elaborados às pressas permitiam, inclusive, que os servidores abandonassem o terno e a gravata para encararem o desligamento dos aparelhos de ar-condicionado. O expediente chegou a ser encurtado, terminando às 17h, justamente para diminuir os gastos. “Parece que não aprenderam. Chega a causar raiva e indignação”, reforça Castelo Branco.
O Ministério da Educação é, tradicionalmente, o que mais gasta com energia entre todos os órgãos da União: somente no ano passado foram R$ 436,9 milhões, incluindo despesas nas 63 universidades federais e nos 49 hospitais universitários. O órgão diz ter projetos que visam a melhoria no uso racional dos recursos públicos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi o que mais aumentou os gastos com energia em 2014: 28,7%. O aumento, segundo o órgão, deve-se à expansão da estrutura.
Brasília, 12h15min