O pacote de estímulo ao crédito, de R$ 83 bilhões, anunciado pelo governo terá impacto mínimo sobre o consumo das famílias, acredita Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Com o desemprego ganhando força, a tendência é de os trabalhadores fugirem de dívidas temendo não ter condições de pagá-las mais adiante. Nem mesmo o incentivo aos empréstimos consignados, que poderão ser bancados com até 10% do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mais a multa de 40% em caso de demissão sem justa causa, anima o varejo. Na melhor das hipóteses, os estímulos dados pelo governo impedirão um tombo maior que os 5,8% previstos para as vendas deste ano.
Os lojistas reconhecem que o modelo de crescimento baseado no consumo se esgotou por completo. E não entendem por que a presidente Dilma Rousseff insiste nesse caminho. Na avaliação de Bentes, em outros tempos, o incremento do crédito consignado até poderia dar um gás ao comércio. Mas, na atual conjuntura, com as famílias superendividadas e as demissões atingindo níveis alarmantes, quem se arriscar a tomar empréstimos com desconto em folha só trocará de dívidas, ou seja, sairá do cheque especial ou do rotativo do cartão de crédito para se pendurar em um débito menos caro. Será, porém, um alívio temporário no orçamento. Logo, logo, as mesmas pessoas voltarão para o especial e o rotativo do cartão.
“As medidas do governo estão longe de mudar a trajetória do varejo, que é de queda. Este será o terceiro ano seguido de contração”, diz Bentes. Em 2014, as vendas do comércio caíram 1,6%. No ano passado, o tombo chegou a 7,5%. Para 2016, há risco de os 5,8% projetados de contração serem maiores. No entender do economista, houve um estrangulamento no orçamento dos consumidores, provocado pelo governo por meio do aumento das tarifas públicas. O Banco Central calcula que, neste ano, o reajuste médio dos preços administrados (energia elétrica, passagens de ônibus, telefonia e combustíveis) será de 6%, um terço dos 18% computados em 2015. Mesmo assim, será um baque.
Portas cerradas
Pelos cálculos da CNC, independentemente do pacote do governo, mais de 1 milhão de pessoas perderão o emprego ao longo de 2016. Os mais pessimistas falam no fechamento de 2 milhões de vagas com carteira assinada. Nesse contexto, não há como falar em aumento do consumo. As estimativas são tão ruins que os varejistas só falam em fechar lojas. A Casas Bahia, a maior rede do país, deve encerrar a atividade de cerca de 100 pontos de vendas, a maior parte da marca Ponto Frio.
Técnicos mais sensatos do governo reconhecem o momento dramático da economia, que ainda está cavando o fundo o poço. Para eles, de nada adianta o governo lançar mão de remendos e paliativos sem resolver o maior dos problemas — o fiscal, que está na base da desconfiança que mina o Produto Interno Bruto (PIB). Quando incluídos os gastos com juros da dívida, o setor público o regista deficit nominal equivalente a 10,3% de todas as riquezas produzidas pela país. Trata-se de um buraco quatro vezes maior do que registrado no início do primeiro mandato de Dilma.
“Vivemos tempos tenebrosos na economia”, admite um ministro com grande trânsito no Palácio do Planalto. “Não há um só indicador que se sustente de pé”, acrescenta. Ele ressalta ser assustador a falta de visão da equipe econômica, que gira, gira, e volta pelo mesmo caminho, cometendo os mesmos erros. “Chega a ser constrangedor ver uma pessoa como Nelson Barbosa (ministro da Fazenda) falando, prometendo isso e aquilo, sabendo que não pode cumprir.”
Defesa de Tombini
No Palácio, o discurso é de que os críticos do governo terão de rever suas posições, sobretudo em relação ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que vem sendo acusado de ter cedido às pressões de Dilma para se manter no cargo. Um dos mais exaltados assessores da presidente da República assegura que Tombini “foi visionário” e se antecipou à ruína da economia mundial ao defender a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano.
Os defensores de Tombini agregam dois argumentos ao discurso. Primeiro, a forte desaceleração da economia dos Estados Unidos no quarto trimestre de 2015, devido à fragilidade da atividade global, que levou o Federal Reserve (Fed), o BC norte-americano, a suspender a elevação dos juros por lá. O segundo, a decisão do Japão de anunciar juros negativos, isto é, as pessoas pagarão para manter o dinheiro nos bancos.
A aposta é de que, confirmado o “salve-se quem puder” na economia internacional, Tombini terá argumentos para reduzir a Selic mais cedo do que os investidores projetam. “E não será por pressão política”, afirma um auxiliar de Dilma. “Vai sobrar tanto dinheiro no mundo atrás de juros altos, que o real pode voltar a se valorizar em relação ao dólar, obrigando o BC a retomar o processo de compra da moeda norte-americana”, emenda.
O tempo dirá se os defensores de Tombini estão certos. Uma coisa, porém, eles não podem negar: o Brasil está extremamente fragilizado e sofrerá muito se o mundo ruir. Em vez de enfrentar uma marolinha, o país será devastado por um tsunami.
Brasília, 08h30min