Empresários estão cada vez mais decepcionados com Bolsonaro

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

Apesar de não admitirem publicamente, empresários estão cada vez mais preocupados com a crise institucional que o presidente Jair Bolsonaro agravou após incentivar as manifestações antidemocráticas no último domingo que culminou com ataques à imprensa. “É incrível que existem ainda empresários fanáticos o apoiando. Porém, aqueles que votaram contra a corrupção estão chocados. Decepcionados. E meio perdidos”, informou ao Blog um grande executivo de uma entidade patronal, pedindo anonimato.

 

Os empresários acostumados em apoiar o presidente nas eleições optaram por fazer um voto de silêncio sobre as declarações polêmicas feitas por ele no último domingo durante os protestos contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso. Nos bastidores, também há uma preocupação grande com a saída do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro e o que virá daqui para frente com as denúncias feitas pelo ex-juiz. Contudo, o presidente de uma das associações de fabricantes nacionais contou que palavra de ordem nas entidades patronais é “não comentar temas políticos”. “Todo mundo está muito quieto. Apesar de estarem insatisfeitos, ninguém vai querer se expor, por enquanto”, disse outro empresário também pedindo anonimato.

 

O presidente do Instituto Brasil 200, Gabriel Kanner, contou que, após a renúncia de Moro se manifestou a favor de um distanciamento do governo, mas agora tem se posicionado contra qualquer proposta de impeachment de Bolsonaro. “Não é o momento”, afirmou. Ele, contudo, reconheceu que a saída de Moro “foi um baque muito grande e pegou todo mundo de surpresa”, porque um dos pilares da direita havia sido rompido.

 

Kanner, um dos principais apoiadores do governo, informou que o Instituto vai esperar a apresentação de provas contra o presidente prometidas pelo ex-ministro para se posicionar mais enfaticamente. “Tudo precisará ser provado e, por enquanto, não vimos provas contundentes apresentadas”, disse.  O executivo comentou que Bolsonaro ainda tem apoio de uma boa parcela da população, perto de 30%, e, por conta disso, se manifesta, no momento, contra o impeachment do presidente pelo desgaste que o processo vai provocar no meio da crise da pandemia da Covid-19.

 

Contudo, Kanner criticou os ataques dos manifestantes à imprensa e aos demais Poderes ocorridos no fim de semana. “Somos absolutamente contra qualquer discurso de fechamento do Congresso e do STF. Isso é parte de grupos radicais e é muito ruim para a imagem da direita brasileira com agenda econômica liberar e valores conservadores”, disse. Ele, inclusive, reconheceu que Bolsonaro poderia ter um discurso mais comedido. “O presidente poderia ser mais cauteloso em algumas atitudes ao defender a volta das atividades econômicas. É o que defendemos para evitar que o país entre em um colapso social se a economia ficar totalmente paralisada”, defendeu.

 

O Instituto promoverá uma teleconferência com o vice-presidente, Hamilton Mourão, na próxima quinta-feira (7), com integrantes da entidade para debater sobre o “futuro do governo e da economia”, mas fez questão de informar que “o encontro foi agendado há mais de um mês”. “Vamos conversar sobre as soluções do governo Bolsonaro para superar a crise e a pauta econômica, de forma geral, e fazer essa interlocução com o setor produtivo”, afirmou Kanner.

 

“Crimes não faltam”

 

Na avaliação de Roberto Dias, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o presidente vem cometendo vários crimes desde o ano passado e, no último domingo, ao incentivar a manifestação antidemocrática e fazer um discurso ameaçando Congresso e STF adicionou outros à lista.  Para o constitucionalista, ao apoiar atos contra os demais Poderes, na contramão da democracia e da Constituição, o presidente ainda desrespeitou artigo 85 da Constituição e cometendo um atentado contra os direitos sociais dos cidadãos ao expor as pessoas às aglomerações em meio à pandemia da Covid-19. “Mas não é de hoje que vemos vários atos ilegais praticados pelo presidente desde o primeiro ano de governo e que caracterizam crimes de responsabilidade. Mas agora ficou mais evidente, porque tem pessoas de dentro do governo informando esses delitos”, destacou.

 

Segundo Dias,  “crimes não faltam” para um processo de impeachment contra Bolsonaro e eles podem ser até mais graves do que os cometidos pela ex-presidente Dilma Rousseff, uma vez que são mais fáceis de interpretação, porque estão desrespeitando a Constituição e os princípios de uma democracia. “No caso das pedaladas fiscais, era mais difícil explicar. Agora, os crimes estão mais à vista”, comparou. “Cabe apenas ao procurador-geral da República (Augusto Aras) se convencer das provas e solicitar a abertura do processo”, frisou.

 

David Fleischer, cientista político norte-americano e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), acredita os desdobramentos das denúncias de Moro contra Bolsonaro, poderão abrir espaço para um processo impeachment mais rápido na atual conjuntura junto ao Supremo do que no Congresso. Contudo, ele demonstrou preocupação com a sinalização de Bolsonaro trocar o comando do Exército além de afrouxar a fiscalização de entrada de armas no país, na semana passada. “Essa medida é muito preocupante porque é uma intervenção nas Forças Armadas e favorece as milícias e o crime organizado. O Exército engoliu a seco e ele pode reagir”, alertou.

 

Na avaliação de Fleischer, o discurso do governo em defender a economia para justificar um afrouxamento nas medidas de afastamento contra o coronavírus não vai estimular os investimentos privados diante dos atritos entre o Executivo e os demais poderes. “O governo precisa mostrar mais estabilidade econômica e política para que a taxa de investimento em relação ao PIB (Produto Interno Bruto (PIB) volte a crescer dos atuais 14% para 21%.  isso não vai acontecer com o mundo entrando em recessão e com novas crises institucionais provocadas pelo presidente”, explicou.

 

No mercado financeiro, operadores ficam preocupados, mas não querem admitir que as incertezas políticas já estão entrando na conta de risco dos investidores, principalmente, estrangeiros que partem em debandada do país.  Em abril , a saída líquida da B3 de aplicadores não residentes somou R$ 69,4 bilhões.  Esse dado é 55,6% superior à retirada de recursos de estrangeiros da B3 em todo o ano de 2019, o maior volume da história.