Emprego movido a vento e sol

Publicado em Sem categoria

POR SIMONE KAFRUNI

 

Bons ventos sopram na indústria energética brasileira e tudo indica que, mais do que apenas luz no fim do túnel, há força suficiente para impulsionar a retomada do crescimento do país. A geração de energia elétrica alternativa nem parece estar em um país com 11,4 milhões de desempregados e mergulhado na pior recessão da história. Os segmentos eólico e solar crescem a taxas de dois dígitos por ano e, com o potencial de expansão de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), devem criar 828 mil empregos até 2020, com investimentos bilionários.

 

Com o melhor fator de produtividade do planeta no aproveitamento dos ventos, o Brasil teve o maior crescimento global em geração de energia eólica em 2015. E, apesar de ser razoavelmente jovem, impulsionado a partir de 2009, o setor colocou o país na 10ª colocação em um ranking mundial de capacidade instalada, caminhando a passos largos para a nona posição. Dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) mostram que, em 2015, o salto foi de 46,1%, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encolheu 3,8%. Foram R$ 20 bilhões em investimentos e 41 mil empregos gerados.

 

Presidente da Abeeólica, Elbia Silva Gannoum explica que, desde que o aparato regulatório incluiu a geração eólica nos leilões de energia, em 2009, a fonte se tornou a segunda mais competitiva, perdendo apenas para a hidrelétrica, na matriz energética brasileira. “Assumimos essa posição por dois motivos: progresso tecnológico e condições climáticas. O fator de produtividade mundial é de 28% a 30%. No Brasil, está entre 50% e 65%”, compara.

 

Dos leilões de energia realizados nos últimos sete anos, o setor foi responsável por mais de 50% das contratações, atrás apenas das grandes hidrelétricas. Em 2015, dos 7 gigawatts de energia nova (GW), 39% foram de eólica. “Conseguimos implantar uma cadeia produtiva na indústria. Hoje, os projetos têm de 70% a 80% de nacionalização. Trouxemos fábricas para cá. A cada aerogerador, são mil fornecedores”, diz.

 

Gargalos

 

Com investimentos em torno de R$ 20 bilhões por ano, inserindo no sistema interligado nacional 2 GW de energia por ano, o setor eólico já tem contratados quase 18,5 mil megawatts (MW) de potência até 2019. Como para cada 1 MW são criados 15 empregos, serão mais 277 mil postos de trabalho até lá, além dos 41 mil abertos no ano passado, e, pelo menos, R$ 80 bilhões em investimentos.

 

Para Marco Afonso, diretor da CGI, consultoria em infraestrutura, dos três segmentos de geração alternativa de energia, o de eólica é o mais bem estruturado. “A cadeia de produtos está instalada no Brasil. Algumas empresas, inclusive, já exportam. Outras ainda têm interesse de vir para cá. Mas o país precisa resolver gargalos que atrapalham o setor”, alerta. O principal deles é o descasamento das obras de geração com as de transmissão. “Na hora de produzir, faltam linhas de transmissão, que enfrentam entraves no licenciamento ambiental”, pondera. Outro problema é o crédito restrito.

 

Um exemplo de como os parques eólicos se multiplicam no país é a inauguração, em 29 de junho, de mais um deles, na Serra do Mel, no Rio Grande do Norte. O Complexo Eólico Vamcruz, da empresa Voltalia, em parceria com Chesf e Encalso, produzirá, aproximadamente, 450 gigawatts por hora (GWh) ao ano, energia suficiente para abastecer mais de 200 mil famílias. O parque criou 485 empregos durante as obras, além de 30 diretos para operação.

 

Meio ambiente

 

O diretor-geral da Voltalia Energia do Brasil, Robert Klein, explica que o setor eólico foi pouco atingido pela crise. Mas houve dificuldades burocráticas. “A demora na obtenção de financiamentos e o aumento do custo foram complicadores. Além disso, devido às turbulências políticas, algumas licenças e autorizações demoraram a sair mais do que de costume”, lamenta. Porém, o executivo ressalta que Vamcruz é o terceiro complexo construído pela empresa e a credibilidade e a experiência no mercado ajudaram a superar os entraves.

 

A empresa está construindo outros parques. O próximo complexo a entrar em operação ainda neste ano na Serra Pará terá 99 MW de capacidade instalada. Na sequência, será construído o Parque Vila Acre I, com 27 MW, também em Serra do Mel, como resultado do último leilão que a Voltalia participou, em novembro de 2015.

 

Paulo Sivieri Arbex, presidente da Associação Brasileira de Fomento às PCHs (ABRAPCH) conta que há, hoje, 17 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) outorgadas e 159 aptas à outorga aguardando licença ambiental. “Somadas, as 176 PCHs devem agregar ao sistema uma potência instalada de 2.064 MW, com investimentos previstos de R$ 16,5 bilhões e 400 mil empregos diretos e indiretos”, afirma. As CGHs (usinas de até 3 MW), também têm um potencial enorme. “São mais de 80 usinas a construir, com potência instalada superior a 160MW, investimentos de R$ 1,4 bilhão e mais de 50 mil vagas”, estima.

 

Os problemas do setor, no entanto, são maiores. “Há dificuldades nos processos de aprovação ambiental e em firmar um contrato de venda de longo prazo que viabilize a obtenção de financiamento para a construção de suas usinas”, explica Arbex. Ele acrescenta que as fontes hídricas têm o menor custo médio de longo prazo do Brasil, menos de R$ 100 o MWh.

 

Peso da Lava-Jato

 

Marco Afonso, da consultoria em infraestrutura CGI, alerta que as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) têm entraves ambientais porque precisam fazer represamento de rios. “Elas exigem investimentos altos. E, hoje, as grandes empresas que seriam potenciais construtoras estão envolvidas em Lava-Jato. Tanto que estão colocando suas participações em hidrelétricas à venda. Além disso, o custo da energia não é atraente para o investidor”, justifica.

 

 

Potencial grande de crescimento

 

O segmento de energia solar, por meio de painéis fotovoltaicos, ainda não está tão desenvolvido quanto o eólico, mas tem potencial de crescimento gigantesco. Presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia explica que o segmento é uma forma complementar de geração de energia, que, no passado, se limitava a locais sem acesso ao sistema nacional, como ilhas, comunidades ribeirinhas, Amazônia.

 

A partir de 2012, com a resolução normativa 482, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que permitiu a qualquer consumidor final instalar um sistema e gerar para consumo próprio, o excedente deixou de ser perdido e passou a ser injetado na rede, multiplicando o potencial de crescimento do setor.

 

“O cliente passou a ter um crédito de energia, que pode ser usado para abater no futuro. Acabou o desperdício e trouxe benefício econômico para quem investe no sistema”, diz Sauaia. O mercado de micro (potência até 75 quilowatts) e minigeração (até 5 mil quilowatts) aumentou exponencialmente. “Os sistemas podem ser usados para reduzir em até 80% e 90% os gastos com energia elétrica. Aproveitando a energia solar, no telhado, na fachada, no estacionamento”, pontua.

 

Ele conta que, em 2012, eram apenas três sistemas. No ano seguinte, 75. Em 2014, 425. O ano passado fechou com 1.751. “Isso significa que, em 2015, no momento em que o PIB do Brasil encolhia mais de 3%, o setor crescia 313%”, diz Sauaia. A expectativa da Aneel é de que o mercado avance 800% em 2016, chegando a 10 mil sistemas. “Houve a inserção de um novo mercado. A energia solar fotovoltaica já teve leilões. O setor tem 3,3 mil megawatts (MW) contratados em 99 projetos de usinas, com investimentos de  R$ 12,5 bilhões”, explica. Cada MW gera entre 25 e 30 empregos. “Nossa previsão é a abertura de 60 mil postos de trabalho até 2020, que vão ajudar a dinamizar a economia”, acrescenta.

 

Demanda

 

Os projetos leiloados entrarão em operação em 2017 e 2018. A maior parcela está na região Nordeste, devido à grande incidência solar. Na Bahia, mais de 200 MW em construção serão entregues no ano que vem. Em Pernambuco, já estão operando 10 MW dos 92 MW contratados. O presidente da Absolar alerta, contudo, que o governo precisa manter o sinal de investimento com leilões anuais de energia solar. Este ano, estão previstos dois — um em julho, outro em outubro, mas, para 2017, ainda não existem sinalizações. “Por enquanto, a energia solar contribui pouco na matriz. Mas, até 2024, se o planejamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) for mantido, a expectativa é representar 4%, crescimento de 200 vezes em 10 anos”, calcula.

 

Dono de uma empresa que instala sistemas fotovoltaicos, Márcio Antônio Simas, diretor da AMX Brasília, explica que a microgeração aumentou a necessidade de mão de obra de instaladores elétricos. “Estão sendo criadas microempresas, chamadas integradoras, que fazem o papel de prospectar clientes. Por meio de parcerias com fabricantes ou empresas de maior porte, esses integradores podem apenas indicar o negócio ou fazer todo o processo, gerando até 20 empregos diretos e 50 indiretos para uma demanda”, aponta.

 

Brasília, 10h05min