EM FARRAPOS

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A ação conjunta do Banco Central com o Tesouro Nacional para derrubar o dólar e reverter a disparada dos juros no mercado futuro deu a exata noção de como o governo Dilma Rousseff se ressente de um grande coordenador, alguém que possa unir forças e definir direções. No primeiro momento em que os dois órgão resolveram se falar, os resultados se mostraram satisfatórios, ainda que o alcance tenha sido limitado devido às grandes incertezas que devastam o país.

Como bem ressalta um alto funcionário do Executivo, “num governo esfarrapado, qualquer sinal de lucidez faz milagre”. Ele ressalta que o que move a Esplanada dos Ministérios hoje é a guerra de egos. “Cada um faz o que quer, desde que seja em benefício próprio. Isso ocorre porque não há liderança”, afirma. O resultado é um desperdício de tempo e de dinheiro público, inaceitável em tempos tão difíceis.

Na área econômica, destaca o mesmo funcionário, era esperado que, num momento de crise tão aguda, houvesse sintonia nas ações. Mas o que se assiste desde o início do segundo mandato de Dilma é uma disputa brutal por poder que só aumenta a desconfiança entre empresários e investidores. É a Fazenda atirando para um lado, o Ministério do Planejamento apontando para outro e o Banco Central no meio, sem saber para onde correr.

“Não há um jogo combinado, o que nos leva a concluir que ou eles não se falam ou não se gostam, ou as duas coisas juntas, o que é ruim para o governo e muito pior para o país”, complementa outro técnico com trânsito livre no Palácio do Planalto. No entender dele, foi preciso que o dólar batesse em R$ 4,25 e o mercado passasse a apostar em aumento de mais 4,5 pontos percentuais na taxa básica de juros (Selic) para que o BC e o Tesouro acordassem. “Pena que esse despertar tenha se dado tão tarde”, diz.

A fatura da desunião é enorme, a começar pelo rebaixamento do país. Se, desde o início, tivesse prevalecido a sensatez dentro do governo, certamente o Brasil não teria perdido o selo de bom pagador pela Standard & Poor’s (S&P) e a economia não estaria afundando tão rapidamente. Mas, em vez de encarar os problemas de forma clara e efetiva, os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, preocuparam-se mais em fazer valer suas ideias. Essa guerra resultou no envio de uma proposta de Orçamento deficitário para o Congresso, decisão que mescla incompetência e má-fé.

Agonia diária

Na avaliação de Cristiano Noronha, analista da Arko Advice, o que se vê é um governo especializado em autodestruição. Não bastassem todos os inimigos externos, criou-se uma batalha fratricida dentro da própria máquina. A maior culpada por esse desastre é a presidente Dilma, que, com suas idas e vindas, indica que nem mesmo a pessoa que deveria comandar o sistema sabe o que quer.

Para Noronha, a falta de comando é visível na economia e na política, e os erros, explícitos. “Nos últimos anos, o governo decidiu dar as costas para o Congresso e optou por uma política econômica de muitas concessões e estímulos”, afirma. Ele acredita que a situação se agravou de uma forma tão feroz, que será difícil reverter os problemas tão cedo. No caso da política, os novos ministérios que serão dados ao PMDB abrirão uma janela no curto prazo. Na economia, a aprovação da CPMF pode indicar um caminho menos tortuoso.

“Contudo, a agonia continuará”, frisa Noronha. As investigações da Lava-Jato estão mantidas, a economia vai afundar mais e o desemprego aumentar, novas delações premiadas estão no radar, há vetos de Dilma a serem apreciadas pelo Congresso e a necessidade de aprovação da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas Orçamentárias). “Em resumo, teremos um governo extremamente pressionado”, complementa.

Levy no grau especulativo

» O conceito de Joaquim Levy, que já não era nos melhores junto ao vice-presidente da República, Michel Temer, caiu mais alguns degraus ontem, depois do bate-boca que os dois tiveram pela imprensa, envolvendo a CPMF. Quem conhece Temer garante que, para o vice, Levy já perdeu o grau de investimento há tempos.

Dia de paz no Planalto

» Apesar da gravidade da crise política e econômica enfrentada pelo governo, o clima ontem no Planalto era de descontração. Nem de longe se sentia a tensão dos últimos dias, quando o país foi vítima de um ataque especulativo. O alívio, porém, tinha tudo a ver com a ausência de Dilma, que está em viagem aos Estados Unidos.

Calote disseminado

» O dado é alarmante: quatro em cada dez consumidores que se atolaram no rotativo do cartão de crédito declararam calote. Nas dívidas renegociadas com os bancos, 16,2% não conseguem cumprir os compromissos acertados, mesmo que em condições mais favoráveis.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes