Eleição nos EUA expõe radicalismo no mundo

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A radicalização que se viu durante o processo eleitoral dos Estados Unidos vai se repetir mundo afora. A crise financeira ainda não curada de 2008 fez surgir um mundo de extremos, que terá consequências cruéis. O discurso ultranacionalista propagado por Donald Trump pode não ser o vencedor na disputa que será encerrada hoje, mas encontrou eco não apenas na maior economia no planeta. Está sendo replicado em boa parte do globo, sem os holofotes da briga travada entre o magnata republicano e a democrata Hillary Clinton.

Que ninguém acredite que a vitória de Hillary apontada pela maior parte das pesquisas de intenção de votos selará a paz nos EUA. Muito pelo contrário. As feridas abertas na maior democracia do planeta são profundas demais. O racismo exacerbado, a xenofobia, a intolerância, o protecionismo vão provocar sérios conflitos, com repercussões assustadoras. Tempos sombrios nos esperam. Não há lideranças hoje no mundo capazes de apaziguar os ânimos e permitir uma travessia mais tranquila.

Nem mesmo Barack Obama, com todo o seu carisma, foi capaz de conter os movimentos extremistas nos Estados Unidos. Em seu governo, o racismo se agigantou. Há pelo menos duas décadas não se via tantos negros mortos pela polícia. O mais assustador é que todo o retrocesso visto nos EUA ocorre num momento de recuperação da economia e de forte queda do desemprego. Isso mostra que os problemas estão muito além das questões econômicas.

A onda dos extremos que tem o populismo como bandeira ganhou força com a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia. O Brexit foi o detonador de um movimento que encontrou em Trump seu mais poderoso porta-voz. O risco de que a Europa Ocidental se renda ao ultranacionalismo é grande. Basta ver a força que os defensores desse tantos absurdos vêm ganhando na França, na Itália e na Alemanha.

Ao contrário da América Latina, onde o populismo da esquerda levou à derrocada as três maiores economias da região — Brasil, Argentina e Venezuela —, na Europa, o nacionalismo exacerbado está sendo empunhado pela direita. Na Inglaterra, a primeira-ministra, Thereza May, com todo o seu conservadorismo, já embarcou num discurso perigoso. A situação é ainda mais preocupante na Turquia e na Rússia, comandadas por líderes com posturas imperiais.

O ruim e o pior

Muita gente viu na reação dos mercados ontem um total voto de confiança dos investidores para Hillary Clinton. Na verdade, foi apenas uma opção pelo ruim em vez do pior — no caso, Trump. São muitas as dúvidas em relação ao que será um eventual governo da democrata. Os donos do dinheiro querem saber qual ala do partido de Hillary, caso ela saia vencedora hoje, prevalecerá quando ela chegar à Casa Branca. De um lado, está o grupo mais esquerdista, representado pelos senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders (que disputou a vaga com a democrata). De outro, o grupo mais pró-mercado, comandado pelo economista Larry Summers, ex-secretário do Tesouro Americano.

Para os investidores, Hillary, apesar de bem menos radical que Trump, é vista como uma incógnita, por demonstrar forte viés intervencionista. Muitas a comparam à ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff, afastada do poder por meio de um processo de impeachment. Teme-se que a democrata amplie o espaço do governo na economia. Esse medo é baseado em uma das propostas de campanha, que prevê a redução dos preços dos medicamentos por decreto.

É possível que, a despeito de todas as desconfianças, com Hillary eleita nesta terça-feira, as bolsas de valores deem saltos expressivos nos próximos três dias e o dólar caia frente as principais moedas do mundo. Mas esse movimento deverá se reverter rapidamente caso a democrata não explicite qual será seu plano de governo. Diante de toda a polarização na campanha e dos absurdos que se viu e se ouviu dos dois principais candidatos à Casa Branca, a paciência dos investidores praticamente se esgotou. A principal potência do mundo requer ações concretas de racionalidade. O mundo agradecerá.

Brasília, 06h50min

Vicente Nunes