ROSANA HESSEL
Depois de ignorarem durante um bom tempo os riscos fiscais, o pessimismo em torno desse tema tomou conta dos analistas nas reuniões com diretores do Banco Central realizadas nos últimos dias. A conclusão é que as regras fiscais não serão mais respeitadas e essa mudança no humor vem se refletindo nas projeções de crescimento do país neste ano e no próximo, que não param de serem revisadas para pior, com queda de Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem e, em alguns casos, até em 2023. Além disso, as previsões para a inflação acima do teto da meta de 2022, de 5%, aumentam, e analistas não descartam que o dólar chegue a R$ 6 ou até ultrapasse esse patamar.
Economistas que participaram dos encontros avaliaram que o quadro fiscal tende a se deteriorar independentemente da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que parcela dívidas judiciais e altera a regra do teto de gastos, abrindo espaço para mais despesas em ano eleitoral. Após aprovação pela Câmara dos Deputados, no segundo turno ontem, a matéria ainda precisa ser apreciada pelo Senado Federal.
Para os operadores do mercado financeiro, a aprovação da PEC é “menos ruim” do que a rejeição, apesar de o teto de gastos não ser efetivamente respeitado, em ambos os casos. Já os analistas mais atentos aos impactos de longo prazo reconhecem que haverá perda na confiança de investidores no país por conta das “pedaladas” com a PEC, que são muito maiores do que as que provocaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “O mercado acreditava que o ministro Paulo Guedes (Economia) evitaria uma piora nas regras fiscais, mas, agora, percebeu que ele aceita tudo para evitar a perda de poder”, lamentou um economista de uma gestora estrangeira, reconhecendo a deterioração não apenas na credibilidade do governo, mas nas previsões de analistas que nunca criticaram o Paulo Guedes.
Entre os especialistas, há um consenso de que a regra do teto poderia ser aperfeiçoada ou mudada, mas não em véspera de ano eleitoral, porque isso mina qualquer promessa de responsabilidade fiscal de campanha do atual governo. “O cenário é muito ruim, e temos que pensar em contenção de danos. A inflação sobe e o BC vai elevar ainda mais os juros para desancorar as expectativas não apenas para 2022, mas também olhando para o horizonte de 2023 e 2024”, destacou uma analista.
Agora, com esse cenário cheio de incerteza não apenas na política mas também na questão fiscal, a inflação tende a subir e o dólar também e, como não há uma expectativa de que o governo, dominado pelo Centrão, vai se preocupar com o fiscal, restará ao Banco Central, que negligenciou no controle da inflação no ano passado, precisará assumir rédeas da política monetária e fazer um aperto duro na taxa básica de juros (Selic), atualmente em 7,75% ao ano. As estimativas para 2022, apontam um piso de 10,75%, mas nem mesmo juros de 14%, patamar de 2015 a 2016, são descartados. E, com isso, as projeções de crescimento em 2022, com recessão ou mesmo estagflação — quando não há crescimento e a inflação é elevada — estão no radar da maioria das análises. “O cenário externo não vai ajudar para que o dólar recue no mercado doméstico, porque também há inflação mais forte e a tendência é de aumento dos juros nos Estados Unidos”, destacou um especialista.
Eleição
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, vinha alertando para esse cenário de deterioração das regras fiscais e o câmbio mais elevado há algum tempo. “É possível chegarmos com o dólar a R$ 6 com a piora fiscal contratada do Centrão, em conjunção com uma eleição mais do que tumultuada”, disse. Ele reduziu de 0,4% para zero a variação do PIB em 2022, mas não descarta piora na projeção. “Podemos ir de fato para uma recessão com juros mais altos do que estamos agora”, alertou.
Um economista de uma corretora financeira também acha que o dólar a R$ 6 “não parece fora de propósito”. “Na reunião de que eu participei, ninguém fez essa projeção, mas a incerteza ainda é muito grande”, destacou.