“É a Petrobras que decide sobre preços de combustíveis, não Temer”, diz Parente

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» ANA DUBEUX
» PAULO SILVA PINTO
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A Petrobras resume as apostas e o naufrágio dos 13 anos de governos petistas: descoberta de reservas gigantes no pré-sal, desenvolvimento da produção nacional de equipamentos, projetos mirabolantes e inúteis, o maior escândalo de corrupção do mundo e manipulação de preços para conter a inflação.

Separar a parte boa da ruim na maior estatal do país é uma das tarefas mais sensíveis do atual governo. E está nas mãos de Pedro Parente, engenheiro eletricista formado pela Universidade de Brasília (UnB), com ampla experiência na administração pública. Ele foi responsável por equacionar, no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, a crise do apagão. Depois disso, construiu uma trajetória de sucesso no setor privado.

Parente falou ao Correio na sexta-feira, quando completou seis meses à frente da Petrobras. Ele espera que, dentro de quatro anos, a estatal esteja como uma dívida tão leve quanto a que existia em 2009, equivalente a uma vez a sua geração de caixa. Em 2014, essa relação chegou a 5,3 vezes, ou seja, um salto de US$ 100 bilhões em apenas cinco anos. Para isso, diz, precisa ter liberdade de fixar o preço dos combustíveis de acordo com parâmetros econômicos. Não há chance, afirma, de uma ordem contrária do presidente Michel Temer.

Parente tem segurança de que a abertura do pré-sal à operação autônoma de outras empresas ajudará o país, sem provocar qualquer prejuízo à estatal. Assevera, ainda, que não há mais risco de a rentabilidade ser desviada para o bolso de criminosos. “Acabou a bandalheira.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Acabou a corrupção na Petrobras?
Faz seis meses hoje que estou na empresa. Implantamos, nesse período, uma série de procedimentos e rotinas, por exemplo, só para dar uma ideia: todos os fornecedores passam por uma avaliação de integridade. Se eles não têm uma avaliação positiva, nem entram no processo de compras. Outro exemplo: você não tem mais nenhuma decisão individual na empresa. O que podia acontecer antes, que eram contratos de valores muito expressivos serem decididos por uma única assinatura, de um único diretor, não tem hipótese de acontecer na empresa hoje. Não vai nem sair do lugar. Várias questões foram mudadas. Aspectos que estão no estatuto da empresa seguem a nova lei de governança das estatais. Isso realmente cria um sistema de controle interno e tem vários mecanismos de prevenção.

Isso vale para os contratos antigos, que já estavam em andamento?
Qualquer mudança nesses contratos passa pelos mesmos processos. Não é o fato de ser um contrato antigo que permite ou determina que siga a regra de antigamente. Negativo. Se tiver um aditivo, tem que explicar muito bem explicadinho por que precisa do aditivo. Calcula-se o valor presente daquele aditivo, e isso passa por, no mínimo, cinco comitês. Uma vez eu estava em um evento com o presidente da Eletrobras e achei muita graça, porque ele disse que, em qualquer decisão que seja tomada, o jurídico tem que dar o parecer. Eu falei: “Pô, mas só o jurídico?”. Aqui são, no mínimo, cinco. Isso não é reclamação, não. É exatamente para que a gente possa ter segurança de que criou as barreiras que tornam realmente muito difícil acontecer o que aconteceu no passado.

Esse processo de recuperação e reorganização da empresa vai demorar quanto tempo?
No processo de reorganização, fizemos mudanças no que nós chamamos de três ondas. E a terceira onda já foi implantada. A gente está com a nova estrutura da empresa completamente em funcionamento. Sob o ponto de vista de metodologia de processos de gestão, tudo terá início a partir de 1º de janeiro de 2017, exatamente para ajudar a cumprir as metas dos nossos planos.

A Odebrecht publicou anúncio com um pedido público de desculpas. O que eles fizeram é perdoável?
Em relação à maneira como as coisas aconteciam em termos de obras públicas, estamos tendo uma revolução. O que está acontecendo com a Odebrecht e outras empresas que assinaram acordos de leniência e apresentaram pedido de desculpas público, sem dúvida nenhuma, é uma revolução. Temos que ver dessa forma a partir do momento em que essas empresas se tornem resistentes a determinados tipos de abordagem. Então, é isso mesmo: se a empresa é ética, se para fazer tem que pagar, não faz. Isso vai ajudar a criar uma situação em que tais questões, se ocorrerem, serão muito mais limitadas. Se é perdoável ou não, quem sou eu para avaliar? As autoridades, procuradores da República e o ministro Teori Zavascki vão dizer se isso é válido ou não. Eles, melhor do que ninguém, podem avaliar. Pode ser uma mudança muito importante no quadro das práticas negociais brasileiras, especialmente no campo das obras públicas.

Há riscos de se repetir a corrupção na Petrobras?
Nenhum. Posso dizer, sem dúvida nenhuma, que há mecanismos estabelecidos que deixam a Petrobras como uma companhia benchmarking em sistema de controle interno. Responsavelmente, nenhum dirigente pode ir além de dizer que está realmente organizando a sua empresa para ter os melhores sistemas de controle interno, de conformidade e de compliance, de tal forma a tornar extremamente difícil qualquer possibilidade dessa natureza. Vamos lembrar que, nas coisas que aconteceram, acima de tudo, a Petrobras foi vítima. Não foi um agente que se beneficiou do que aconteceu. Esse é um ponto importantíssimo para se levar em consideração nesta discussão.

Dirigentes da gestão petista disseram que a corrupção só poderia ter sido descoberta em uma investigação policial, não por dentro da empresa. É isso mesmo?
Bom, existem determinadas situações que, de fato, só poderiam ser detectadas por mecanismos que não estão ao alcance da empresa, por exemplo, investigações policiais, quebra de sigilo e tudo mais. Agora, havia indícios que poderiam levar a indicações de que estaria acontecendo algum tipo de problema. É muito difícil, não estando na companhia naquele momento, saber se isso existiu ou não. Mas, de fato, os próprios delatores dizem que, o que eles fizeram foi fora da empresa, sem usar o telefone da empresa, por meio de e-mails e contatos de fora. As coisas aconteciam após os contratos assinados na relação direta entre contratados e executivos, e entre contratados e  maus políticos.

Há quem diga que a roubalheira é antiga e que já acontecia muito antes dos governos petistas, não é?
Na delação do Nestor Cerveró, ele fala que, na transação na Argentina, na compra da Perez Companc, teria havido a destinação de US$ 100 milhões para o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando eu li isso, eu mesmo solicitei, formalmente, à comissão especial de investigação, que inclui a ministra Ellen Gracie, que fizesse um levantamento, porque, se houve a alegação, a investigação precisa ser feita. Acho que não pode deixar nada sem resposta. Portanto, se existiu no passado, precisa trazer a evidência. Não pode deixar nada sem investigar.

A Petrobras tem condições de voltar a operar com todas as construtoras envolvidas com a Lava-Jato?
Não existe a possibilidade de uma penalidade eterna. O que nós demandamos das empresas é que tenham algum sistema de compliance, de conformidade, e que implementem as práticas necessárias, que também possam garantir que, do seu lado, não vão ter os procedimentos do passado. Portanto, a existência de um acordo de compliance, mais a constatação de que a Petrobras tem que ter mecanismos adequados de controle interno, são indispensáveis.

Os projetos que a Petrobras tem programados até 2021 serão tocados por essas empreiteiras?
Não sei. Em primeiro lugar, ainda que elas alcancem todas essas medidas, têm que passar por uma avaliação de integridade, feita com todos os fornecedores da empresa. Em segundo lugar, há processos competitivos. Ninguém pode dizer antecipadamente quem vai ganhar. Então, é difícil ser afirmativo.

Qual é o hoje o maior desafio da Petrobras? É combater a corrupção?
Sem deixar, em absoluto, em primeiro lugar, nosso repúdio total à corrupção, à bandalheira, o principal desafio é realmente cumprir nosso plano estratégico e reduzir o endividamento, que é a síntese dos problemas que aconteceram no passado. Em 2009, as dívidas correspondiam a uma vez a  geração de caixa da empresa, chamada de Ebitda (ganhos antes de impostos, juros e amortização, na sigla em inglês). Era um número supersaudável. No fim de 2014, essa relação havia subido para 5,3 vezes. Houve um crescimento exponencial. Quando olhamos em termos absolutos, isso assusta mais, pois representou crescimento no valor da dívida líquida da empresa de US$ 100 bilhões. Esse aumento acabou construindo a maior dívida em termos absolutos e relativos de todas as empresas de óleo e gás do mundo.

O que deu mais problema: a corrupção ou erros técnicos?
É difícil precisar isso. Mas o que é relevante é que grande parte do que foi feito não traz resultado para a empresa. Com a dívida crescendo cinco vezes, as taxas de juros que, obviamente, a companhia paga, também aumentaram, por causa do risco maior. A empresa perdeu o grau de investimento e as taxas de juros dobraram. Então, se a gente não trabalhar como nós estamos trabalhando, o custo financeiro pode ser multiplicado por 10. A conta de juros em 2009, se não me engano, foi de US$ 1,7 bilhão, e poderia ir a US$ 17 bilhões, porque, no vencimento, as dívidas que foram contratadas a taxas mais baixas seriam substituídas por débitos contraídos a juros mais altos. Por isso, é fundamental reduzir o endividamento. Então, realmente, o nosso principal desafio hoje é o cumprimento desse plano dos cinco anos. Ele tem duas metas. Uma delas é a redução das dívidas. A outra, que tem o mesmo nível na hierarquia, é nossa meta de segurança. A Petrobras tem que deixar claro que não perseguirá a meta financeira prejudicando a segurança das pessoas, do meio ambiente e do patrimônio. Isso é sagrado para nós. Na verdade, queremos melhorar nossos indicadores relacionados à segurança.

Quanto tempo a Petrobras vai levar para voltar à situação de equilíbrio que havia em 2009?
A primeira etapa é levar a dívida para 2,5 vezes o Ebitda até o fim de 2018. Para isso, a gente precisa ter sucesso nos quatro pilares que eu mencionei. Mas, obviamente, o objetivo não é parar aí. O nível ideal é por volta de 1 ou 1,5, quando eu não estarei mais na empresa. Mas a gente espera chegar lá ao fim de cinco anos se as coisas ocorrerem como previsto no plano, entre 2020 e 2021. Mas outro dado importante em relação à dívida é que, quando se percebe onde o dinheiro foi utilizado, apenas cerca de um terço foi em coisas que produzem resultados para a empresa hoje. O resto foi overpricing (superfaturamento) e projetos que não fazem mais sentido concluir, como o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Essas coisas juntas inflaram a dívida. Temos que produzir, com um terço, resultados para pagar o valor total.

A venda de ativos está dentro do projeto de reequilíbrio?
Claro. Na meta financeira, nós temos quatro pilares que vão nos fazer alcançar os objetivos. Um deles é nosso programa de parcerias de desinvestimentos, cuja meta é atingir US$ 15,1 bilhões até o fim do ano. Já anunciamos transações que totalizam perto de US$ 11 bilhões. E mantemos nossa meta. O que significa dizer que, se tudo der certo, anunciaremos novas transações até o fim do ano. Eu digo, se tudo der certo, porque vai depender da negociação. Tem os russos e não podemos aceitar condições que não sejam as ideais só para cumprir um prazo e uma meta. É preciso negociar olhando o melhor interesse da empresa. Além dos US$ 15,1 bilhões em 2016, nós temos a meta de US$ 19,5 bilhões para 2017 e  2018. Portanto, o programa de desinvestimentos é de US$ 34,6 bilhões em quatro anos. Vale lembrar a experiência bem-sucedida e muito rica das parcerias nas áreas da exploração e produção. O benefício mais evidente disso é a divisão de risco dos empreendimentos para diminuir a necessidade de empregar recursos próprios. Mas tem mais duas outras vantagens.

Quais?
A primeira é a troca de tecnologia. Isso nos permitiu melhorar a produtividade na perfuração de poços do pré-sal. No início, a gente levava mais de 300 dias desde o início da perfuração do poço até a produção. Hoje, o prazo é inferior a 100 dias. Reduzimos em dois terços o tempo. Para furar um poço, as sondas, que são alugadas, custam entre US$ 200 mil e US$ 400 mil por dia. Então, dá para ver a economia que essas melhorias de produtividade trazem para a Petrobras. Outra vantagem importante é que a governança dessas empresas de primeiro nível mundial tem alto padrão de conformidade, de compliance. Nós temos que estar no mesmo nível. Ou seja, as parcerias são indutoras de uma governança cada vez melhor na Petrobras. Esse é o primeiro pilar. O segundo é a redução de custos. Nós estamos prevendo fazer uma redução de 18% nos custos em cinco anos.

Reduzir custos implica demissão de funcionários?
Nessa área, a gente está até bem, porque completou o segundo plano de demissão incentivada. Os dois planos juntos vão proporcionar saída de cerca de 19 mil funcionários sobre os 85 mil iniciais, portanto, estamos falando numa redução no quadro de 20%. A contribuição que a conta de pessoal tem para dar na redução de custos, com os dois programas, avançou muito. Mas queremos implementar metodologias do sistema de gestão, com orçamento matricial e acompanhamento de risco e de cumprimento de metas. Essas coisas vão estar embutidas no sistema de gestão que estamos desenhando e vamos implementar em 1º de janeiro de 2017.

Vai até quando essa redução de 18% dos custos?
Essa previsão é para o prazo de cinco anos do plano, de 2017 a 2021. Nós temos que reduzir o total de custos previstos para esses cinco anos em 18%.

E os terceirizados? A Petrobras chegou a ter mais terceirizados do que funcionários próprios.
Continua tendo. Porque os terceirizados são aqueles que estão trabalhando na produção de bens e equipamentos para a empresa. Mas a redução de terceirizados é ainda mais impressionante, quase 150 mil pessoas. Um esforço bastante relevante. O terceiro pilar é a redução de investimentos da ordem de 25%. Antes, a gente estava prevendo a realização de um número ligeiramente inferior a US$ 100 bilhões para os próximos 5 anos. Agora, está um pouco abaixo dos US$ 75 bilhões. Apesar de reduzir o investimento, mantivemos a previsão de produção de óleo da Petrobras por conta dos ganhos de produtividade. Os campos do pré-sal estão mostrando uma produtividade maior do que a prevista inicialmente, de 20 mil barris por dia por poço. Estamos produzindo em média 26 mil barris diários por poço, sendo que alguns podem chegar a 40 mil barris, até mais. A consequência disso é que, se você tem uma plataforma capaz de produzir 180 mil barris por dia, não precisa de oito poços, só seis. Com isso não precisa perfurar dois com aqueles custos que mencionei antes. São ganhos importantes que nos autorizam a reduzir os investimentos e manter a curva de produção.

O pré-sal é caro para explorar.  Ele continua sendo um bom negócio para a Petrobras?
O pré-sal, se não é a melhor, é uma das melhores províncias petrolíferas do mundo em águas profundas. É caro, mas é cada vez menos. Por causa dos ganhos de produtividade, o preço que torna economicamente viável explorar um campo, é cada vez menor. Hoje, é abaixo dos US$ 40. O custo de extração — que é o custo uma vez perfurado o poço — é abaixo de U$ 8. Isso é uma vantagem importante. O quarto pilar é a política de preços. Nós definimos uma política muito simples, baseada na paridade internacional do preço de petróleo, mais uma margem que vai dar conta, entre outras coisas, do risco de operar em um mercado de volatilidade como é o do petróleo. Lembrando que, para nós, duas variáveis consideradas são o preço do petróleo e a taxa de câmbio. E impostos, naturalmente. Então, isso define o preço que a Petrobras cobra na saída das refinarias. Tão importante quanto existir essa política é a periodicidade do ajuste. Nós vamos reavaliar as condições de mercado pelo menos uma vez por mês.

Isso significa que vamos ter aumento de preços agora já que o petróleo está em alta e o câmbio, também? Tem gente dizendo que a Petrobras tem que reajustar a gasolina entre 4% e 17% e o diesel, entre 3,5% e 16%. É isso mesmo?
Essa é uma discussão que ocorre no âmbito do chamado comitê executivo de mercado e preços, que tem mais duas pessoas. Então vou pedir licença para não fazer qualquer comentário sobre isso, porque seria uma indelicadeza com meus colegas.

Nos dois últimos ajustes que a Petrobras fez, de redução de preços, o que se viu nos postos foi aumento. Há até quem diga, de brincadeira, que, quando a Petrobras subir os preços, os postos finalmente vão baixá-los. O que o senhor pode comentar sobre isso?
Em primeiro lugar, a Lei do Petróleo estabelece total liberdade de preço. O que a gente consegue definir é o preço na refinaria. Depois disso, têm as distribuidoras e os milhares de postos de gasolina. A variação de preço médio seria esperada nas bombas se todas as demais variáveis que impactam o negócio permanecessem constantes. As alegações são de que o etanol subiu. Mas eu não mexo com etanol, então, não posso fazer um juÍzo de valor.

Do ponto de vista da inflação, aumentar o preço dos combustíveis não teria tanto impacto. Mas, do ponto de vista político, teria um peso enorme. A questão de preços volta a ser política?
De maneira nenhuma. A questão do preço dos combustíveis é consequência das mudanças de um cenário de variáveis macroeconômicas sobre as quais não temos nenhum controle. Estou falando do preço do petróleo e da taxa de câmbio. A última coisa que se pode dizer é que a Petrobras tem culpa. A empresa reage às condições de mercado de maneira a preservar as condições de sustentabilidade econômica e financeira ao longo do tempo.

Há possibilidade de o presidente da República ligar e dizer “não aumentem o preço da gasolina agora”?
Não há essa possibilidade. Não vai acontecer. Quando o presidente Temer me convidou, nós conversamos longamente sobre como eu penso que deveria ser gerida a Petrobras e como ele pensa. Houve uma convergência muito grande sobre a necessidade de a empresa ter liberdade de lidar com uma variável que é fundamental para reduzir a dívida e fazer a virada. E, além disso, em condições normais, operar como qualquer empresa. Como houve essa coincidência de pontos de vista, estou muito tranquilo de que não haverá uma ligação como essa vinda do presidente Michel Temer. No contexto dessa conversa, ele assegurou algumas condições para a gestão da Petrobras: a composição da direção e do conselho só com pessoas com perfil correto, com experiência e integridade; e a outra, de que ele não vai tomar qualquer decisão que não seja baseada na racionalidade econômica. Essas condições que o presidente Temer assegurou nenhum outro presidente da Petrobras, em um passado recente, teve. E elas permitem que a gente faça o que precisa ser feito. E nós vamos fazer.

A política de preços vale para cima e para baixo?
Sem dúvida nenhuma, porque as variáveis que mencionei vão para cima e para baixo. A gente deu essa demonstração quando baixou o preço duas vezes. Temos que levar em conta outras condições, como a participação no mercado. Especialmente em relação ao diesel, havia uma redução muito rápida da participação da Petrobras no mercado. E isso foi levado em consideração quando discutimos, nas duas últimas reuniões, as condições gerais da economia e do mercado de derivados de petróleo.

O desafio de assumir uma empresa numa situação como a da Petrobras foi maior do que o que enfrentou à época do apagão, no governo FHC?
Têm naturezas diferentes. Quando lidamos com o apagão, estávamos entrando na casa de todas as famílias, de todas as regiões envolvidas. Talvez 80% das famílias brasileiras. Isso era uma grande responsabilidade, extremamente complexa, porque havia a necessidade de mobilizar a sociedade para que ela desse sua contribuição. Não tenho a menor dúvida de que esse aspecto ajudou muito. As famílias e as empresas brasileiras se engajaram no processo. Estudos de universidades americanas mostram que foi o mais amplo programa de redução voluntária no consumo de energia com sucesso continuado e prolongamento da economia. Na Petrobras, embora a abrangência seja menor, naturalmente, tem sua complexidade, que é a situação de encontrar uma empresa vitimada por um esquema, que todos nós conhecemos. Temos a responsabilidade de recuperar a autoestima dos colaboradores. Porque, em determinado momento, houve uma confusão entre o esquema produzido por uma minúscula minoria de funcionários e todos os colaboradores e a própria empresa. Outra questão importante é ser uma entidade sujeita a regras de controle da administração pública. Normalmente, já existe por parte do gestor, no serviço público, uma preocupação muito grande com o processo de tomada de decisões e com o risco pessoal que corre no seu próprio CPF. Na Petrobras, essa é uma situação que se agrava. O temor é maior. Lidar com isso, lembrando que a empresa está lá para produzir e ainda em um processo de redução de endividamento, é um desafio bastante relevante. Difícil colocar na balança e dizer o que pesa mais. Uma coisa é certa: acabou a bandalheira na Petrobras.

A Petrobras comprou o Campo de Libra com parceiros chineses , no sistema de partilha. Há um rumor no mercado de que eles estariam decepcionados. É verdade?
No Campo de Libra, temos como sócios a Total, a Shell e dois grupos chineses. É dividido em três grandes áreas. Só foi feita atividade exploratória em uma delas e os resultados são muitos positivos. Eu desconheço que exista qualquer tipo de insatisfação dos parceiros, pelo contrário. A experiência de parceria é muito positiva, com um representante de cada empresa em todas as áreas. São três objetivos. Um deles é trazer o preço de equilíbrio para um valor inferior a US$ 35.

A Petrobras não tem mais a obrigação de ter 30% e de ser operadora única no pré-sal. Vai diminuir a participação da empresa na exploração?
Não vai diminuir, por uma simples razão. A gente não teria condições de aumentar a participação devido às restrições financeiras. O resultado seria ruim para o país, que teria que dar ritmo à exploração do pré-sal de acordo com a situação da Petrobras. Nós vamos operar no limite da nossa capacidade financeira. O país vai, portanto, aproveitar essa riqueza de uma forma muito mais rápida. O volume total vai crescer. Há um estudo que diz que 44% de tudo que é investido ou produzido por um campo no pré-sal é pagamento de receitas públicas, em impostos, royalties, participação especial. Se os campos tivessem sido explorados com mais velocidade desde que o pré-sal foi descoberto, imaginem a contribuição para a situação fiscal que a gente vive. Pelo menos 16%, além dos 44%, são equipamentos encomendados à indústria nacional e empregados brasileiros trabalhando nesses campos. Cerca de 60% trariam benefícios diretos para o setor público e para a indústria brasileira. A resistência que houve foi por razões puramente ideológicas, porque, de racional, não tinha nada. A mudança foi importante para o país e para a Petrobras também, porque a empresa já perfurou mais de 200 postos do pré-sal. A quantidade de informações que a gente conseguiu agregar tem uma natureza estratégica que vai nos permitir escolher o melhor do melhor. Tudo no pré-sal é bom, mas, já que a Petrobras não tem recursos para investir em tudo, pode escolher. Com um detalhe: se puder e quiser, pode continuar participando de tudo, porque a Petrobras tem o direito de preferência. O ponto de partida para uma discussão racional é dizer por que o direito de preferência, uma opção de escolha, é pior do que a obrigação de fazer? Não tem quem, racionalmente, possa dizer isso.

Brasília, 10h05min

Vicente Nunes