ANTONIO TEMÓTEO
A euforia do mercado com a proximidade do impeachment de Dilma Rousseff e a chance de o Congresso Nacional aprovar o ajuste fiscal podem levar o dólar a ser cotado abaixo dos R$ 3 nos próximos meses. O otimismo que tem levado investidores a aplicar recursos no Brasil e reduzido o preço da divisa norte-americana é turbinado pelo excesso de liquidez mundial. Com juros negativos ou próximos de zero nas principais economias, os empresários têm buscado aplicações rentáveis e o Brasil voltou a fazer parte do grupo de nações atrativas.
Com juros básicos de 14,25% ao ano e a queda do risco país, investidores passaram novamente a comprar ativos brasileiros. O voto de confiança dado ao governo do presidente interino, Michel Temer, favoreceu a redução dos prêmios de risco. Em dezembro passado, os credit default swaps (CDS) superaram os 500 pontos com a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. Atualmente, estão em 256 pontos, com as perspectivas de melhora da economia brasileira, uma queda de 48,8%. Os CDS são uma espécie de seguro contra calotes. Quando mais altos, maiores os riscos para os investidores.
A entrada de investimentos no Brasil levou o dólar a desabar 19,33% neste ano. A moeda terminou a semana cotada a R$ 3,185 depois de, na última quarta feira, ter atingido o menor nível desde 13 de julho de 2015, ao bater em R$ 3,132. Diante da forte desvalorização cambial, o Banco Central (BC) reforçou a oferta diária de contratos de swap reverso, operações que equivalem à compra futura da divisa e tendem a dar impulso de alta às cortações. A autoridade monetária aumentou a colocação de papéis de US$ 500 milhões para US$ 750 milhões.
Tripé
Diante das dúvidas sobre como o BC atuará para conter a desvalorização do dólar, o presidente da autoridade monetária, Ilan Goldfajn, afirmou que é necessário fortalecer o tripé macroeconômico, formado por responsabilidade fiscal, controle da inflação e regime de câmbio flutuante, para garantir a retomada da confiança na economia brasileira. Ele ressaltou que utilizará com parcimônia as ferramentas cambiais de que dispõe, “quando julgar necessário e sem ferir as premissas desse regime”.
As explicações de Goldfajn foram dadas após Temer afirmar, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que a orientação do governo é que deve ser mantido um certo equilíbrio no câmbio, provocando o receio de que, como ocorreu de modo desastrado durante a administração de Dilma, o Planalto, mais uma vez, estaria disposto a interferir no trabalho do BC. “Não pode ter um dólar num patamar elevado nem um dólar derretido”, disse Temer.
Para evitar qualquer polêmica sobre a atuação do Executivo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o câmbio, por definição, é flutuante. “Em alguns momentos, ele pode ser mais volátil, ou mais estável, dependendo de uma série de fatores. Isso não é algo que tenha tanta relevância. O importante é a tendência, e o movimento é normal”, disse.
As declarações de Temer, Meirelles e Goldfajn ocorreram em um momento em que o setor produtivo, os economistas e os consumidores começam a fazer as contas para saber quem perde e quem ganha com a desvalorização cambial. O presidente interino já foi procurado por exportadores de produtos industrializados, agrícolas e de minérios para cobrar uma atuação mais forte do BC no sentido de conter o recuo do dólar. Eles temem perder competitividade no mercado internacional com a retração da divisa norte-americana. Os consumidores, por outro lado, devem gastar menos em viagens internacionais, que ficarão mais baratas.
A queda do dólar também afeta o ajuste nas contas externas. O Brasil, que em 2015 teve um rombo superior a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no balanço das transações correntes, caminha para reduzir esse buraco para 1% neste ano. Com a moeda estrangeira mais barata, a redução pode ser mais lenta. Além disso, setores da economia tendem a reforçar a importação de mercadorias, diminuindo o saldo positivo da balança comercial.
A possibilidade de o dólar ser cotado abaixo dos R$ 3 está no radar do economista-chefe para a América Latina do banco BNP Paribas, Marcelo Carvalho. Ele projeta, no entanto, que a divisa terminará o ano valendo R$ 3,25, mas não descarta revisar esse valor para R$ 3,10. “Dependendo do cenário, é possível que o câmbio ceda ainda mais e se aproxime de R$ 3 sem levar a autoridade monetária a intervir”, afirma.
Além de ser favorável ao regime de câmbio flutuante, Carvalho destaca que o BC está empenhado em conter a inflação. Assim como a valorização do dólar de R$ 2 para R$ 4 pressionou o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2015, a queda no preço da divisa estrangeira favorece o controle do custo de vida. “O IPCA próximo de 11% no ano passado foi influenciado pelo câmbio. Agora, ele ajuda no processo de convergência para a meta de 4,5% em 2017”, detalha.
Tendência
O economista-chefe do banco Fibra, Cristiano Oliveira, acredita que a desvalorização do dólar frente ao real continuará nos próximos meses. Ele observa que o recuo de quase 50% no risco Brasil, apurado pelos CDS, e o excesso de liquidez no exterior favorecem a entrada de recursos no país. E destaca que a tentativa de resgate do tripé macroeconômico tem animado os investidores. “A expectativa de que o país volte ao crescimento atrai capitais. Existem fatores domésticos e externos que favorecem a apreciação do real”, diz.
O momento em que o dólar recuará para um valor inferior a R$ 3 deve acontecer quando o Congresso aprovar o teto para o crescimento dos gastos públicos, projeta Oliveira. Ele explica que os preços dos ativos brasileiros já levam em conta o impeachment de Dilma Rousseff, e somente fatos novos tendem a influenciar significativamente a moeda. “Alguns fatores domésticos tendem a ganhar peso ao longo dos meses. Boa parte do impeachment já aconteceu. O que provocaria uma queda maior seriam outras novidades”, comenta.
O processo de desvalorização do dólar pode ser interrompido, no entanto, por uma alta de juros nos Estados Unidos, alerta a economista-chefe da CM Capital Markets, Camila Abdelmalack. Ela espera que o Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, eleve a taxa uma única vez em 2016 sem iniciar um ciclo agressivo de aumento. Camila ressalta que isso não deve provocar volatilidade cambial no Brasil. “Esperamos uma decisão do Fed só em dezembro. Com abundância de recursos no mundo, a elevação não deve trazer problemas sérios.”
A economista explica que os juros básicos de 14,25% ao ano atraem investidores em busca de uma remuneração atrativa, em meio às taxas negativas ou próximas de zero nas economias desenvolvidas. Camila destaca ainda que, mesmo a já esperada redução da Selic não deve alterar o fluxo de recursos para o país porque as taxas reais daqui ainda serão as maiores do mundo, considerando que a inflação deve cair. “O cenário cambial está atrelado à melhora da confiança. Com a aprovação de medidas fiscais, o dólar deve cair ainda mais. Mas o movimento pode ser contrário se nada sair do papel. Por isso, é preciso cuidado para o dólar não afetar o controle da inflação”, afirma.
Brasília, 00h50min