Dívida assustadora

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POR PAULO SILVA PINTO

A observação desatenta dos números da dívida pública apresentados ontem pelo Tesouro Nacional poderia dar motivos para comemorar. Afinal, houve redução de 3% do montante de obrigações em abril em relação a março, para R$ 2,799 trilhões. O problema é que isso faz parte de um quadro assustador. E, quando se olham as cenas anteriores, então, é pior ainda. Um filme de terror de longuíssima metragem, a que estamos assistindo há vários anos.

A dívida pública brasileira saiu de 52,08% do Produto Interno Bruto (PIB) em março de 2014 para 60,49% um ano mais tarde. Em março passado, dado mais recente disponível desse indicador, já estava em 67,17%. A depressão econômica, aliada à inflexibilidade para reduzir os gastos públicos, fez a nossa dívida explodir. E, como os problemas não estão longe de acabar, a deterioração vai continuar. Instituições financeiras e organismos internacionais veem o montante alcançando 80% da nossa produção no próximo ano e 100% até 2020.

Há quem ache pouco. Afinal, a Grécia deve 177% do PIB. E os Estados Unidos, que atravessaram uma crise amena, se comparada à nossa, e já estão saindo dela, têm débitos equivalentes a 107% da produção anual. “O nível da dívida em si não pode ser dissociado das nossas condições de financiamento”, explica o economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB). Os Estados Unidos pagam juros baixíssimos, próximos de zero. A Grécia não tem condições tão boas assim, mas, com a garantia dos parceiros europeus, dispõe de uma situação muito mais favorável do que a nossa. No Brasil, a Selic, que incide sobre uma parte das obrigações do governo, está em 14,25% ao ano. É uma taxa altíssima.

Algumas pessoas não conseguem enxergar esse drama. Mas, entre as que o notam, também há problemas. Às vezes até piores do que os dos mais cegos. O custo da dívida é alto? Então vamos reduzi-lo na marra. Quantas vezes não se falou por aí, sobretudo nas redes sociais, que, em vez de cortar gastos públicos, o governo deveria eliminar a conta de juros? Só que a tarefa não é tão fácil quanto sugere o voluntarismo.

Com as ressalvas necessárias a qualquer comparação, é semelhante ao que ocorre com o orçamento doméstico. Se uma família gasta muito com juros, faz todo o sentido que busque se livrar dessa situação, um obstáculo a tantas coisas boas, como viajar nas férias ou alocar mais recursos para a educação dos filhos. Poucos ousariam sugerir, porém, dar um calote no banco para poder matricular os filhos em um curso de inglês. Afinal, a tendência é que a situação financeira fique ainda pior no futuro, com juros ainda mais escorchantes diante da deterioração no histórico de crédito da pessoa. Para pagar taxas menores, seria melhor fazer o inverso do calote: quitar uma parte dos débitos. Com um montante menor de obrigações, pode-se procurar os credores que sobraram e negociar condições melhores. Ganha-se o argumento de que o perfil do devedor ficou melhor, diante do aprimoramento da solvência.

Os críticos diriam que um país tem muito maior capacidade de negociação diante dos credores do que uma pessoa em relação a um banco. É verdade. Mas, exatamente por se tratar de uma nação, as consequências de um calote podem ser também muito mais graves, em várias dimensões. Boa parte das altas taxas que pagamos são consequência das moratórias decretadas, as mais recentes no governo de José Sarney. Isso tem influência direta no risco país atual, ainda que não seja o único fator. Os credores sempre topam emprestar, só que cobram mais caro quanto menor a chance que veem de receber.

Outro ponto de vista a ser considerado no alcance de uma decisão unilateral para reduzir o custo da dívida é o efeito sobre a sociedade. Apenas 2,4% dos títulos do governo brasileiro estão em praças no exterior. Os brasileiros são os grandes detentores de papeis. Dar um calote na dívida teria impacto imediato nas famílias. Seja de forma direta, pelos papéis comprados do Tesouro, seja indireta, por meio do dinheiro aplicado nos bancos ou nos fundo de pensão.

Corte na Selic

Calote não é a única maneira de fazer bobagem. Há os que defendem um corte radical na Selic. Isso é extremamente desejável, mas só poderá ser feito quando se criarem as condições, o que exige árduo trabalho. É preciso, primeiro, reduzir os gastos públicos. Assim, é menor a pressão inflacionária, e a política monetária torna-se menos necessária para conter preços. Além disso, a percepção de risco também fica menor, tornando o país mais atraente. Quanto do nível de juros se deve ao controle da inflação e quanto é resultado da credibilidade do governo junto a credores são motivo para muita controvérsia técnica. O fato é que as duas coisas contribuem.

Baixar juros sem as condições necessárias para tal resulta em situação conhecida. Já vimos isso recentemente, aliás no mesmo roteiro daquele filme de terror do aumento da dívida brasileira na atual década. Começou em 2011, quando a convergência da inflação para o centro da meta estava desancorada nas expectativas de mercado, mas o Banco Central decidiu, mesmo assim, reduzir a Selic. O resultado foi o aumento da carestia, e, pior, de vários elementos altamente nocivos em sua dinâmica, como a difusão entre os diferentes segmentos econômicos e a persistência.

História se repete

Para corrigir o problema, fez-se um puxadinho, segurando os preços administrados dos combustíveis e da energia elétrica. Sustentar isso exigiu recursos do Tesouro, o que elevou a dívida pública. Passada a eleição de 2014, quando já era impossível continuar a sangria dos cofres públicos, os preços foram liberados, e a inflação disparou. Não houve alternativa senão cortar gastos públicos e elevar os juros, agravando a recessão em que o país já se encontrava. A arrecadação tributária caiu e os gastos se elevaram.

Mas, para uma ala da esquerda, o problema é o capitalismo internacional, os países ricos e o Fundo Monetário Internacional. Esse não é um filme recente. Já passou várias vezes: nos anos 1950, 1980 e 1990. “Não aprendemos com os nossos erros históricos”, lamenta Arbache. Quando a situação é tranquila e o fluxo, favorável, essas pessoas não se opõem a tomar empréstimos. Tão logo a coisa aperta, porém, passa-se a culpar o sistema. Não se consegue resolver o problema. Apenas se constroi uma narrativa ruim. Nada que consiga fazer sucesso em Hollywood, Cannes, Veneza ou Berlim.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes