Em decisão que autorizou as prisões preventivas de dois ex-gerentes da Petrobras, o juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), deu destaque a informações obtidas após a quebra de sigilo fiscal de um deles. Conforme o magistrado, Márcio Almeida Ferreira aderiu ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária em 2016 e pagou R$ 14,4 milhões em tributos e multa à Receita Federal.
Além disso, ele apresentou, em dezembro passado, declaração retificadora do ano calendário de 2014, informando a manutenção de ativos no exterior no valor equivalente a R$ 48 milhões. Os recursos estavam vinculados à conta em nome da offshore Domus Consultant Limited mantida no Banco Banif International, nas Bahamas. Outra retificação, referente a 2015, apontou que ele possuía R$ 54,5 milhões no exterior naquele ano.
Moro destacou que após as correções, o patrimônio de Ferreira, em 2013, era de R$ 8,7 milhões e saltou, em 2014, para R$ 57 milhões. No ano seguinte, o patrimônio do ex-gerente da Petrobras chegou a R$ 64 milhões. “Não há explicação para esse salto, nem mesmo nas declarações retificadas já que os rendimentos declarados em 2013 e em 2014 foram de R$ 1.201.507 e R$ 419.146, respectivamente”, detalhou o magistrado na decisão que autorizou a 40ª fase da Lava-Jato.
Cara de pau
As benesses da Lei Federal nº 13.254 de 2016, explicou o juiz, não se aplicam a recursos que têm origem em crimes contra a Administração Pública ou que tenham indícios disso. O expediente e a cara de pau usados por Ferreira indicam que outros com o mesmo perfil podem ter se valido da norma para trazer para o país dinheiro com origem em corrupção. “Em tese, essas pessoas estão com recursos lícitos, o que gera um risco à sociedade. Isso gera uma nova linha de investigação. A Lava-Jato deve abrir a caixa-preta dessa lei de regularização cambial e verificar de que forma está se dando esse procedimento”, afirmou o procurador Diogo Castor Mattos, que integra a força-tarefa da Lava-Jato.
O caso deixa claro que o governo se valeu de recursos ilícitos para não descumprir a meta fiscal de 2016. Uma profunda investigação sobre o tema precisa ser feita, e o MPF e a Receita Federal precisam trabalhar em parceria para identificar fraudes semelhantes. Em nota, o Fisco detalhou que a Lei de Repatriação só pode ser utilizada para regularizar recursos de origem lícita. O órgão ainda explicou que se a origem dos recursos decorrentes de propina for comprovada, não há de falar em “esquentar” o dinheiro, pois a operação foi efetuada de forma contrária à Lei e, portanto, é impossível atribuir os efeitos à regularização.
A Receita ainda informou que os contribuintes prestam informações sob as penas da lei e se informações falsas foram prestadas, a pasta promoverá responsabilizações tributárias e enviará ao MPF representação fiscal para fins penais. O colunista questionou ao Fisco se alguma representação já havia sido encaminhada ao MPF ou se irregularidades semelhantes às identificadas pela Lava-Jato também foram apuradas. A pasta disse que não comentaria o assunto, o que dá margens para diversos questionamentos da sociedade. O que fica claro é que falhas como essa mostram que o governo precisa aperfeiçoar os mecanismos de controle para evitar que o dinheiro público escoe pelos ralos da corrupção e enriqueça criminosos.
Outro debate que urge após esses fatos se tornarem públicos é a veracidade e a legalidade do resultado das contas públicas do governo em 2016. Será necessário examinar com lupa o montante repatriado que teve origem ilícita para que o governo refaça esses cálculos.
Cuidados
Sancionada em janeiro de 2016 pela então presidente Dilma Rousseff, a Lei nº 13.254 instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, que pretendia incentivar o envio de valores, obtidos de forma lícita e não declarados, de volta ao país. Para isso, interessados pagariam Imposto de Renda de 15% sobre o saldo, além de multa em igual percentual. Em troca, receberiam anistia dos crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal.
Um novo período para repatriação de recursos foi autorizado pelo Congresso Nacional em 2017. Em abril, a Receita Federal publicou no Diário Oficial da União (DOU) instrução normativa que regulamenta a reabertura do programa, sancionado pelo presidente Michel Temer. O período de adesão começou em 3 de abril e termina em 31 de julho deste ano. Os contribuintes poderão ingressar no programa preenchendo a Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat), já disponível no Centro Virtual de Atendimento (eCAC), no site da Receita.
Para aderir, o contribuinte precisa fazer o pagamento integral do Imposto de Renda à alíquota de 15% incidente sobre o valor total, em reais, dos recursos que pretende regularizar. Além disso, é necessário pagar integralmente a multa de regularização em percentual de 135% do Imposto de Renda pago pelos ativos.
A Dercat apresentada deverá conter, entre outras informações, a identificação dos recursos, bens ou direitos a serem regularizados existentes em 30 de junho de 2016 e a identificação da titularidade e origem. O contribuinte deverá declarar também que não era detentor de cargos, empregos ou funções públicas de direção ou eletiva e que não tinha cônjuge ou parente consanguíneo ou afim até o 2º grau ou por adoção nessas condições. Tanto a Receita quanto o MPF devem acompanhar esse processo com lupa para que novas fraudes não ocorram.
Brasília, 09h26min