DESCOMPROMISSO FISCAL

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A falta de um compromisso claro do governo com o ajuste fiscal está na base de todos os problemas que o Brasil enfrenta hoje. Enquanto não houver um sinal contundente do que realmente será feito para reorganizar as finanças públicas e estabilizar a dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a tendência será de piora da economia. Com o país desvastado por um tsunami de desconfiança, recorrer a mecanismos pouco confiáveis, como o sistema de bandas fiscais proposto pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, pode resultar em problemas  ainda maiores.

Para Gabriela Santos, estrategista global do JP Morgan Asset Management, o que o Brasil precisa agora, a fim de reconstruir sua credibilidade, é de uma meta fiscal explítica, factível de ser alcançada. “Por menor que seja o número proposto, é preciso mostrar que há uma direção a ser seguida”, diz. No entender dela, é “absolutamente central” que o governo se comprometa com o ajuste das contas públicas, para que a confiança interna e externa volte. “Hoje, os problemas fiscais interferem em tudo, na inflação, nas taxas de juros, no câmbio”, ressalta.

É compreensível, na opinião de Gabriela, que, num quadro de profunda recessão, como o vivido pelo Brasil, o governo enfrente dificuldades para cumprir metas fiscais. Mas não se está pedindo, neste momento, superavit primário de 2% ou 3% do PIB. O que se quer é um número mínimo e que se chegue o mais próximo possível dele. “Estamos falando de metas realistas e que se tente cumpri-las”, assinala. Segundo ela, olhando apenas para o quadro atual, nem mesmo o superavit primário de 0,5% do PIB previsto em lei será alcançado.

Modelo esgotado

A economista do JP Morgan Asset afirma que, com a desconfiança que se vê hoje, a economia brasileira terá retração de pelo menos 3%. A queda será puxada pelos investimentos e pelo consumo das famílias. Ela acredita que a demanda interna terá contração de 5%, saldo que será minimizado pelo resultado positivo do setor externo. A leitura mais importante desses números, destaca Gabriela, é a de que o modelo econômico adotado pelo Brasil se esgotou. “Isso ficou claro há cinco anos, com o fim do ciclo das commodities. Desde então, o PIB brasileiro só cai”, frisa.

Na avaliação de Gabriela, diante da forte retração da atividade, seria importante que o Banco
Central tivesse espaço para reduzir as taxas de juros. Mas, como não há confiança na política monetária e as expectativas dos agentes econômicos apontam para inflação de ao menos 7% neste ano — acima do teto da meta, de 6,5%, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) —, qualquer movimento do BC nesse sentido seria danoso para o país. “Para os juros caírem, é preciso que as projeções de inflação estejam mais próximas da meta”, enfatiza. Ela acredita que a taxa Selic será mantida em 14,25% até o fim do ano.

Esse momento tão adverso, reconhece a economista, se traduzirá em mais desemprego, que pegará as famílias superendividadas. Pelos cálculos dela, a taxa de desocupação medida pela Pnad Contínua, que, em outubro do ano passado (o último dado disponível) estava em 9%, passará tranquilamente dos 10%. Será um problemão para os consumidores, que, na média, estão com 46% da renda comprometidos com dívida. Isso mostra, na visão de Gabriela, que o crédito deixou de ser uma arma potente para estimular o crescimento, ao contrário do que acredita o governo, que, recentemente, lançou um pacote de R$ 83 bilhões em linhas de financiamento.

Ao deus-dará

É preciso ressaltar, segundo a economista do JP Morgan Asset, que o aumento do desemprego e o excesso de endividamento não são problemas exclusivos do Brasil. Estão presentes em todos os países emergentes que, ao longo de anos, se aproveitaram da alta dos preços das commodities (mercadorias com cotação internacional), mas não fizeram o dever de casa, isto é, reformas estruturais e investimentos para o aumento da produtividade.

Está claro, portanto, que os desafios a serem enfrentados pelo Brasil são grandes. E não há espaço para inovações. Foram justamente as estripulias da nova matriz econômica, nos quatro primeiros anos do governo Dilma Rouseff, que empurraram o país para a situação de calamidade pública que estamos enfrentando. Nada funciona. A saúde está ao deus-dará. A educação não prepara os jovens para os desafios que modernidade impõe. A violência não poupa vidas. A economia combina recessão, desemprego, inflação alta e contas públicas em frangalhos.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes