POR ROSANA HESSEL
Uma das primeiras medidas de política externa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ampliar a presença do Brasil na África. O discurso era privilegiar as relações Sul-Sul para melhorar a pauta de exportação, uma vez que o país tinha no continente africano um amplo mercado potencial para os manufaturados nacionais. O resultado, no entanto, não veio, já que não houve melhora expressiva nas exportações de produtos com maior valor agregado. E o país ainda colheu um efeito colateral indesejável: na esteira de operações que envolveram grandes empreiteiras nacionais em obras no continente africano, sobram denúncias de corrupção.
Desde 2004, foram abertas 20 embaixadas em países da África, de acordo com dados do Itamaraty. Em seus dois mandatos, Lula fez 33 viagens ao continente. O número caiu no período da presidente afastada, Dilma Rousseff. Nesses 12 anos, entretanto, a participação dos africanos nas exportações brasileiras encolheu de 4,39% para 3,99%. Além disso, a balança comercial sempre foi desfavorável para o Brasil, que acabou importando mais do que exportando.
Mas não foi só isso. Representantes de empreiteiras investigadas pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato contaram que pagaram propinas elevadas para conseguir contratos. “A percepção do mercado é de que foi criado um canal de corrupção do Brasil utilizando os governos totalitários africanos. Estreitar relações com a África é importante, significa diversificar parcerias, mas os ganhos são insignificantes no contexto internacional”, comenta o professor de Finanças do Insper Otto Nogami. “Em uma relação bilateral, é preciso levar em consideração se o parceiro tem uma renda que sustente o comércio. Precisamos lembrar que houve perdão de dívidas de alguns países, na expectativa de contrapartidas que não ocorreram. Esse tipo de relação comercial é extremamente equivocado”, critica.
Nogami destaca ainda que, com o desenvolvimento da Lava-Jato, há pouco o que comemorar dessa empreitada. “O que se vê é que, nos governos petistas, muitos conseguiram utilizar o continente para investimentos de empresas brasileiras e usufruir das benesses de superfaturamento de operações escusas sem, infelizmente, contribuir para o crescimento e o desenvolvimento da indústria nacional. O discurso era um e a ação foi totalmente diferente”, emenda.
O consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento durante o governo Lula, diz que não se pode resumir tudo a corrupção, e aponta um problema estrutural. “Estive bastante envolvido no esforço de aproximação com países africanos. O Brasil, por não ter a pecha de colonialista, ocupou espaços que antes eram de ingleses e franceses. Mas o país não tem a mínima condição de competir com os chineses no financiamento de exportações”, desabafa. “A participação da África nas exportações brasileiras teve um momento de avanço. Mas o crescimento encontrou uma barreira, que é a logística. O fluxo marítimo e aéreo entre Brasil e nações daquele continente caiu nos últimos anos, e isso vem comprometendo o comércio”, explica.
Transporte
O economista Altair Maia, autor do livro Logística internacional — o desafio do Atlântico Sul, conhece bem o problema e lembra que uma carga fracionada que saia de navio do Brasil com destino à África precisa, primeiro, passar pela Europa, o que encarece o frete e aumenta o tempo de viagem. “O frete de um contêiner do Brasil para a África custa US$ 4 mil. É o dobro do que se paga pelo percurso entre a China e aquele continente, que é duas vezes mais longo. Por isso, fica difícil para os produtos brasileiros competirem com os chineses”, destaca Maia. “Se tivéssemos um navio por semana atracando em um porto africano, ou mesmo a cada duas semanas, conseguiríamos dobrar as exportações no espaço de um ano, com certeza”, aposta.
Para especialistas, a estratégia dos governos petistas foi equivocada, principalmente, por simplesmente refletir posições ideológicas. O projeto de ampliação das exportações de manufaturados nem sequer decolou. “Quando houve melhora dos embarques, o destaque continuou com as commodities, que dependem mais do bom funcionamento do mercado externo. Já os produtos manufaturados ficaram a ver navios porque o governo não fez reformas estruturais e o país perdeu competitividade”, lamenta Maia. Segundo ele, há um grande número de empresas de médio e de pequeno portes esperando que alguma coisa seja feita em relação ao transporte para a África.
Na avaliação do presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, ao priorizar as relações Sul-Sul, o governo se concentrou em mercados muito pequenos, que representam cerca de 3% das importações mundiais. Ele lembra que o Brasil responde por apenas 1,2% das exportações globais e a participação do país só não caiu mais porque o comércio mundial também encolheu. Castro critica a falta de estratégia do governo para melhorar a penetração dos produtos nacionais no mercado internacional, o que também acabou se refletindo na relação com a África. “Não fizemos o nosso dever de casa para ganhar competitividade e o passeio que a carga faz até a Europa para depois chegar ao continente africano encarece ainda mais o custo dos produtos nacionais. Com isso, quem ganha espaço são os asiáticos”, afirma.
Calote
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, sinalizou que pretende fechar algumas embaixadas em países africanos. Para muitos analistas, é uma medida coerente, já que não haveria sentido em manter estruturas caras em países que não dão retorno comercial para o Brasil. A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, defende uma estratégia de política externa mais elaborada. “O país deve parar de focar na relação Sul-Sul porque o que vai ganhar importância na balança comercial é a Sul-Norte. É preciso concentrar energia nos grandes mercados. Não faz sentido o Brasil estar ausente de grandes acordos, como a Aliança do Pacífico, por exemplo”, pontua.
Outro problema nas relações comerciais com países da África é a insegurança financeira. O diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Abijaodi, diz que vender para países africanos é complicado porque o risco de calote é grande. “Não é fácil para o exportador conseguir adiantamento de crédito em bancos”, afirma. A inadimplência elevada custou caro ao Brasil. Desde 2013, o governo brasileiro perdoou, em média, 80% do valor das dívidas de nações do continente africano, de acordo com o Ministério da Fazenda.
Em nota, o Itamaraty considerou que a estratégia foi a mais correta. “No Brasil e em numerosos outros países, a renegociação de dívidas busca primordialmente recuperar créditos que, de outra forma, não seriam recebidos. No caso brasileiro, os resultados foram positivos, pois vários credores quitaram o remanescente de seus débitos nos últimos anos” informou a pasta.
Ganho diplomático
O Itamaraty destaca que as principais conquistas da aproximação com países da África foi o aumento da representatividade do Brasil em organismos internacionais, pois os votos dos africanos foram cruciais para que o país elegesse dois brasileiros em organismos internacionais: Roberto de Azevedo, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), e José Graziano da Silva, diretor-geral Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês).
Brasília, 19h30min