O país vai assistir, nos próximos dias, a cenas de desespero de um governo que está próximo do fim. A decisão do PMDB — tomada por aclamação em apenas três minutos — de abandonar Dilma Rousseff à própria sorte deu início a uma guerra cujas consequências são difíceis de prever. Não há como esperar da presidente da República e do partido dela, o PT, a entrega do poder passivamente. As armas já foram empunhadas.
É compreensível que Dilma e o PT partam para a batalha. Mas a presidente está prestes a perder o mandato não porque tenha sido vítima de um golpe, como ela bate no peito para bradar contra seus inimigos. A petista foi derrotada pela arrogância de um governo que acreditou que poderia destruir, impunemente, as bases da economia e recorrer ao pior da política, o fisiologismo, para garantir os votos que lhe conviesse no Congresso.
Assim que tomou posse, Dilma teve todas as chances de entrar para a história como exemplo de administrador. Logo nos primeiros meses, fez uma limpa em seu governo, afastando subordinados acusados de malfeitos. Promoveu um arrocho importante nas contas públicas, indicando que a farra fiscal que prevaleceu nos últimos anos da gestão Lula para elegê-la havia acabado. Mostrou disposição para desatar o nó da infraestrutura que mantinha o Brasil com os dois pés no atraso.
Não por acaso, a popularidade presidencial atingiu níveis recordes. Mesmo os eleitores que não haviam votado nela se enchiam de orgulho por ter a primeira presidente mulher, com um histórico de combate à ditadura, comprometida com a ética e disposta a ampliar as conquistas sociais que tanto orgulho deram ao país. Dilma era vista como o oposto dos políticos tradicionais, corrompíveis, fisiológicos. Era o avanço que todos desejavam.
Tudo pela reeleição
Tudo, porém, não passou de um grande produto de marketing, uma propaganda enganosa que custaria muito caro ao Brasil. Confiante, a tal gerentona começou a desmontar as bases da estabilidade econômica. Obrigou o Banco Central a cortar a taxa básica de juros (Selic) para o nível mais baixo da história, 7,25% ao ano, de olho em um troféu que queria ostentar na campanha à reeleição. Fez isso sem dar bola para a inflação que já açoitava o orçamento das famílias.
Iludida de que o Estado pode tudo, passou a distribuir dinheiro público como se não houvesse amanhã. Ampliou os subsídios criados no governo Lula para setores específicos; beneficiou, por meio dos bancos públicos, empresas amigas do Palácio do Planalto, escolhidas como campeãs nacionais; reduziu, sem nenhum critério técnico, os preços da energia elétrica, passando a conta para o Tesouro Nacional; e segurou, o quanto pôde, os reajustes da gasolina, destruindo, de vez, o caixa da Petrobras, que vinha sendo surrupiada pela corrupção.
Tudo isso, claro, à base de maquiagens contábeis. Como o objetivo era a reeleição, a petista, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro à época, Arno Augustin, trataram de pedalar os gastos, usando, em muitos casos, os bancos estatais. Fizeram todo tipo de manobra, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para mostrar uma saúde que as contas públicas não tinham. A farra, porém, foi descoberta. E é ela que pode custar o mandato de Dilma, ao dar sustentação ao pedido de impeachment.
Equívocos continuam
Dilma ainda teve chance de se redimir no início do segundo mandato. Demitiu Mantega e Augustin e convocou, para o comando da economia, Joaquim Levy, comprometido com um ajuste fiscal consistente. O voto de confiança foi imediato. As perspectivas de inflação caíram, a bolsa de valores subiu e o dólar cedeu. Com o aval da chefe, Levy elaborou uma série de medidas que garantiriam superavits primários por anos seguidos e interromperiam o processo de alta da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Mais uma vez, descobriu-se que tudo era jogo de cena. Em pouco mais de seis meses à frente da Fazenda, Levy passou a ser desrespeitado. O então ministro do Planejamento e atual comandante da equipe econômica, Nelson Barbosa, começou a dar as cartas. A farra fiscal voltou à cena por meio do envio, ao Congresso, de uma proposta orçamentária para 2016 com previsão de deficit nas contas de R$ 30,5 bilhões. Ficou claro, naquele momento, que Dilma nunca teve um compromisso real com o equilíbrio das finanças do país.
A partir daquele momento, a crise econômica ganhou contornos assustadores. A recessão se aprofundou, a desconfiança dos agentes econômicos atingiu níveis alarmantes, o desemprego deu as caras e a inflação disparou. O estrago foi tão forte que as taxas futuras de juros, que servem de parâmetro para a formação dos custos dos empréstimos, aumentaram cinco pontos percentuais. Houve um estrangulamento do crédito. Empresas passaram a lidar com escassez de financiamentos. O setor real da economia afundou, o que se pôde ver pela queda de 3,8% do PIB em 2015 e pela previsão de tombo de mais de 4% neste ano.
É assustador perceber que, a despeito de estar próxima de ser deposta, Dilma ainda continua acreditando que a sua visão de política econômica é correta. O pensamento dela foi expresso, sem retoques, por Nelson Barbosa em depoimento ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Ele disse que o terceiro ano seguido de rombo nas contas públicas — R$ 96,6 bilhões ou 1,55% do PIB — é vital para reativar a atividade econômica.
Diante desse discurso, fica a certeza: o governo não aprendeu com seus erros. Equilíbrio fiscal, como defendia Levy, não prejudica a economia. Na verdade, dá a certeza de compromisso com os pilares que permitiram ao país agregar mais de 40 milhões de pessoas no mercado de consumo em tempo recorde. Essas pessoas são hoje as que mais sofrem com os equívocos de Dilma. Podem não estar nas ruas gritando contra a presidente e a corrupção, como alega o PT, mas têm a exata noção do que representa abrir mão de conquistas. Elas, certamente, querem mudanças.
Brasília, 00h13min