Delação da Odebrecht abrirá nova crise política e PIB minguará

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As delações da Odebrecht, que provocam pânico em Brasília, já entraram nas projeções de crescimento da economia em 2017. O entendimento dos especialistas é de que o baque das denúncias feitas por dirigentes da maior construtora do país será tão grande que o Produto Interno Bruto (PIB) terá crescimento ainda menor do que o projetado. A citação de pelo menos 130 políticos como beneficiários de esquemas de corrupção deve abalar a confiança no governo e na capacidade do presidente Michel Temer de levar adiante reformas importantes, como a da Previdência Social. Não por acaso, as delações são chamadas de o “fim do mundo”.

As revisões, para baixo, do PIB começaram nas últimas duas semanas, diante dos números frustrantes da atividade. Nem indústria, nem varejo, nem serviços mostraram os sinais de recuperação que todos projetavam em meio à euforia pós-impeachment de Dilma Rousseff. Agora, não bastassem as questões puramente econômicas, os agentes de mercado passaram a incorporar em todas as estimativas um novo terremoto político. Como a perspectiva é de que as revelações da Odebrecht atinjam em cheio o PMDB, o principal partido da coligação que sustenta o atual governo, votações importantes tendem a ser adiadas no Congresso.

Entre os analistas, já há um sentimento de decepção com o governo, devido ao fraco desempenho da economia. Para transformar essa frustração em desconfiança, falta muito pouco. Portanto, o Palácio do Planalto terá que ser muito hábil para tentar se descolar do furacão Odebrecht. Poucos acreditam nisso, devido à inabilidade de Temer para se livrar de confusão. A insistência dele em manter Geddel Vieira Lima como ministro da Secretaria de Governo, mesmo com todas as suspeitas que pairam sobre ele, mostra um desejo incompreensível pelo desgaste. Resta esperar pelo que o presidente fará quando a construtora que comandou a corrupção na Petrobras abrir definitivamente a boca.

Risco maior

Sabiamente, antecipando-se às delações da Odebrecht, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reduziu de 1,6% para 1% a projeção de crescimento do PIB em 2017. Os analistas, porém, acreditam que a nova projeção ainda está carregada de otimismo. O mais provável é que o avanço da economia fique entre 0,5% e 0,7% — isso, é claro, se o tiroteio disparado pela construtora for de baixo alcance, o que ninguém acredita. “Apostou-se firme que o aumento da confiança, depois da mudança de governo, seria suficiente para dar novo gás à economia. Isso não aconteceu. Quando prevaleceu a razão, viu-se que o país está em frangalhos, com quebradeira no setor privado e no setor público”, diz um integrante da equipe econômica.

Para os analistas, está claro o aumento da percepção de risco do Brasil. Os Credit Default Swap (CDS), espécie de seguro negociado entre os investidores, voltaram a subir. Em 19 de outubro, quando houve a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que cortou a taxa básica de juros (Selic) de 14,25% para 14%, o CDS estava em 263 pontos. Ontem, encostou nos 300. “O sinal de alerta em relação ao Brasil voltou a piscar. Nada muito forte, mas o suficiente para despertar a preocupação dos agentes de mercado. Todos vão monitorar até que ponto as delações da Odebrecht podem desestabilizar o governo. Serão dias de tensão pela frente”, afirma um importante executivo do sistema financeiro.

No Planalto, assessores próximo de Temer não escondem o nervosismo. Eles ressaltam que, por mais pesadas que sejam as denúncias de Marcelo Odebrecht e cia, elas não devem atingir diretamente o presidente da República. O problema, acrescentam, é saber até que ponto o entorno dele será fragilizado. Sabe-se que alguns ministros estão nas listas de propinas que foram encontradas no departamento financeiro paralelo da construtora. Será difícil para o Planalto protegê-los como fez com Geddel diante das denúncias de que ele teria forçado o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, a liberar a construção de um prédio em uma área tombada de Salvador.

Calote no consignado

Além do estrago provocado pela Odebrecht, os analistas têm apontado como trava para o PIB o aperto nas condições monetárias. O conservadorismo adotado pelo Banco Central no processo de redução da Selic fez com que os bancos mantivessem o pé no freio da concessão de crédito. Para piorar, a quebradeira dos estados está provocando calotes em operações de crédito consignado de servidores, o que levará as instituições financeiras a serem ainda mais seletivas. O crédito, que poderia ser uma alavanca para o crescimento, tornou-se um inibidor.

No exterior, as empresas brasileiras vêm sendo obrigadas a pagar parte das dívidas que estão vencendo. Em tempos de normalidade, as companhias não só conseguem rolar 100% dos débitos, como obter recursos extras. Em outubro, de cada US$ 100 vencidos, apenas US$ 44 foram refinanciados. Ou seja, as empresas tiveram que raspar o caixa para honrar compromissos, reduzindo a capacidade de investimentos. Em novembro, ressalta o BC, a taxa de rolagem caiu para 39%. “Realmente, o momento é péssimo para as empresas e para as famílias, quando o assunto é crédito. Os bancos travaram os empréstimos e, quando os fazem, impõem condições pesadíssimas”, explica um técnico da autoridade monetária.

Nesse ambiente tão hostil, o governo não pode cometer nenhum deslize. Se passar insegurança e fragilidade para os agentes econômicos, tornará o que já está ruim em algo pior. A ordem de Temer é para manter os pés no chão e a cabeça erguida. O presidente acredita que o país avançou bastante nos últimos meses, sobretudo por ter aprovado em dois turnos, na Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos. A medida ainda depende do aval do Senado. Vamos ver qual será o seu ritmo de tramitação quando o “fim do mundo” das delações da Odebrecht arreganhar os dentes.

Brasília, 06h50min

Vicente Nunes