DEFICITS DISSEMINADOS

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A decisão do Brasil de reduzir a meta fiscal deste ano, de 1,13% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), não é um fato isolado na América Latina. Boa parte dos países da região optaram por afrouxar o compromisso de ajustar as finanças públicas, diz o economista Marcos Buscaglia, do Bank of America Merrill Lynch. Um fato preocupante.

Ele ressalta que o processo de deterioração das contas públicas vem sendo observado desde o ano passado, quando a média dos deficits dos governos centrais quase dobrou, saltando para 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) ante os 2% observados em 2013. Pelos cálculos dele, é possível que o rombo pule para 4,6% em 2015.

Na avaliação de Buscaglia, a piora dos indicadores fiscais da América Latina está sendo liderada pelo Brasil, onde o deficit passará de 5,3% para 6,2% do PIB. Ele acredita que o país comandado por Dilma Rousseff se meteu em uma armadilha ao abusar das políticas anticíclicas para reduzir o impacto das crises externas na atividade doméstica.

O que se observa no levantamento realizado pelo economista do Bank of America é que os países latinos tentaram estimular a atividade para compensar, sobretudo, a queda dos preços das commodities, produtos primários como minério de ferro e soja, que têm cotação internacional. Mas as investidas não deram certas. Mesmo com toda a gastança estatal, o PIB da região desacelerou e, na média, cresceu apenas 0,6% no ano passado contra 2,6% de 2013.

A deterioração fiscal está disseminada e a reversão exigirá esforço redobrado dos governos, que ainda não se mostram dispostos a fazer os ajustes necessários. O Brasil, lembra Buscaglia, começou o segundo mandato de Dilma sinalizando um aperto significativo nas contas. Mas, com a forte queda das receitas, o quadro se mostrou mais difícil que o imaginado. Agora, é importante que o governo realmente se mostre disposto a seguir o novo roteiro. Mesmo menores, os superavits primários são vitais para a retomada da confiança no país.

Pior do pior

Na próxima quinta-feira, será possível ter a noção exata de como andam as contas do governo. O Tesouro Nacional apresentará os números de junho e do primeiro semestre. Nos cálculos de Maurício Molan, economista-chefe do Banco Santander, o rombo no mês passado foi de R$ 3,2 bilhões, devido ao fraco desempenho da arrecadação, à resistência de queda de gastos e ao pagamento de parte dos subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). No acumulado do primeiro semestre, o saldo será próximo de zero.

Com isso, acredita ele, o resultado primário do setor público consolidado (União, estados e municípios) será deficitário em R$ 500 milhões em junho, mesmo com o esperado superavit de R$ 2,7 bilhões dos governos regionais. A se confirmarem esses números, o deficit primário recuará levemente, de 0,68% para 0,60% do PIB. Já o resultado nominal (que inclui os gastos com juros) deverá continuar em alta, batendo em espantosos 8,0% do PIB.

Também mostrará piora a relação entre dívida e PIB, já que as despesas com juros estão em disparada. A dívida líquida, segundo Molan, baterá em 33,9% do PIB e a bruta, em 62,8%. Todos esses indicadores mostram o quanto as finanças do país estão desajustadas. Mesmo com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentando fazer um ajuste convincente, prometendo uma meta de superavit maior, a situação já era de calamidade. Imagine como elas ficarão, agora, com a frouxidão anunciada na última quarta-feira. Não é à toa que os investidores estão tão desconfiados.

Tombo de 6% do PIB

» O economista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, diz que as condições econômicas e políticas do Brasil se deterioraram acentuadamente nos últimos meses. Ele ressalta que os dados da atividade sugerem que a recessão se aprofundou e o PIB caiu a um ritmo anualizado de 6% no segundo trimestre.

Quadro de depressão

» Rostagno ressalta que o quadro atual é de dar depressão. A taxa de desemprego ajustada atingiu, em junho, o maior nível em quase cinco anos (6,5%), com o corte de empregos formais nos últimos 10 meses. O nível de confiança das empresas (indústria, comércio, construção e serviços) e dos consumidores está no chão e a inflação, acima de 9%.

Gastos eleitorais

» O economista do Mizuho acredita que, com a nova meta fiscal, o Brasil não conseguirá estabilizar a relação entre a dívida e o PIB até 2018, como promete o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já que aquele ano será de eleições, períodos em que a política fiscal costuma ser frouxa.

Dois anos de recessão

» Sendo assim, destaca Rostagno, o risco de o Brasil perder o grau de investimento aumentou significativamente, o que levará os investidores a adotarem uma postura mais cautelosa em relação ao país, fazendo com que a cotação do dólar feche este ano em R$ 3,50 e salte para R$ 3,80 em 2016, tornando a atual recessão mais profunda e prolongada. Ele prevê que o PIB cairá 2,1% em 2015 e 0,7% no próximo ano.

Brasília, 00h10min