Custo Bolsonaro deixa a economia pior do que antes da queda de Dilma, diz MB

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ROSANA HESSEL

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) caminha para o final de seu terceiro ano com riscos crescentes, enfrentando o “turning point” que também ocorreu em outros governos desde a redemocratização. Contudo ele tem um contexto bastante atípico e que carrega um custo político elevado para a economia, pior do que antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O economista divulgou um relatório, nesta quinta-feira (19/08) apontando alguns os números do Custo Bolsonaro, que mostram um quadro econômico cada vez pior e que poderá se agravar no ano que vem, em meio às eleições presidenciais.  Ele se inspirou em uma matéria do Correio que falava sobre o Custo Bolsonaro para fazer o relatório.

“Bolsonaro não tem nenhum vento favorável na polı́tica e na economia que poderia abrir seus caminhos. Pelo contrário, a percepção de piora não tem mostrado ou aceitação ou capacidade política de reação. Apelar para um golpe apenas jogará a economia mais no fundo em 2022”, afirmou. Vale alertou que 2022 será um ano difı́cil, “para dizer o mıínimo”. “A piora na qualidade fiscal, que vai além dos números em si, coloca um cenário de instabilidade que se fragiliza por dois lados. Do lado da despesa, os recorrentes ataques ao teto , agora com a possibilidade dos precatórios ficarem fora da regra
e um Auxı́lio Brasil em elevado valor sem contrapartida na estrutura de gastos. Do lado da receita, a reforma tributária que deveria ter avançado era a de bens e serviços, já bastante trabalhada e discutida e não sobre a renda, feito a toque de caixa e com riscos crescentes de não atacar o que se precisa, a questão redistributiva”, resumiu.

Pelas estimativas do especialista, a dívida pública bruta deverá chegar a 85% do Produto Interno Bruto (PIB), o “que provavelmente será a segunda ou a terceira pior entre os países emergentes”.  A inflação não dará sinais de trégua, segundo o economista. Ele prevê que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá chegar a 9,3%, em agosto, no acumulado em 12 meses, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), em 10%.  “Vale dizer que essas taxas não estão muito melhores do que o pico atingido em janeiro de 2016 de 10,7% no IPCA. Corremos o risco de novas revisões para cima a depender da piora adicional de tarifas na energia que ainda podem acontecer e sem esquecer que a variante Delta tende a manter o estrago nos canais mundiais de distribuição, agora afetando com mais intensidade a Ásia. Para piorar, os serviços estã o acelerando e poderemos ver a taxa chegar a rapidamente a 4% nos próximos meses com a saı́da da pandemia. Com isso, fizemos revisão do IPCA de 2021 de 7% para 7,3% e marginalmente 2022 de 4% para 4,1%”, explicou.

De acordo com Vale, Bolsonaro enfrenta seu turning point, assim como os outros presidentes, “mas sem mostrar a capacidade política para sair dela”. No documento, ele destacou que todos os ex-presidentes da República acabaram enfrentando esse momento no terceiro ano de mantado, desde José Sarney até Dilma Rousseff.

“Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva tinham uma economia favorável, com o primeiro ainda recebendo os louros do fim da hiperinflação e o segundo com a economia em aceleração de crescimento, sendo que a economia era menos favorável para FHC no terceiro ano do segundo mandato do que foi para Lula no mesmo perı́odo. Collor não viu seu quarto ano, mas Dilma viu o início de um processo recessivo que perdurou até sua queda em 2016”, escreveu.

Para Vale, o caso de Dilma, que acabou sendo tirada do poder como avanço da Lava Jato que acabou sendo extinta por Bolsonaro, talvez seja exemplar de como a história poderá se virar contra o atual presidente. “O caso de Bolsonaro, há um conjunto de elementos negativos que são piores do que o
impacto da Lava Jato e dos movimentos de 2013. Primeiro, a pandemia extremamente mal conduzida que caminha para matar 600 mil brasileiros. Em segundo, uma reação mal conduzida da pandemia que está gerando uma crise econômica em potencial para 2022. E terceiro, assim como FHC no terceiro ano de seu segundo mandato, a crise hı́drica poderá ser um forte agravante, especialmente, com a confirmação de um novo La Niña que deve trazer
secas para a região Sul e Sudeste e manter a pressão nos nı́veis dos reservatórios dessas regiões”, explicou.

O economista reduziu, na semana passada, de 1,8% para 1,4% a previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 e não descarta novos cortes, devido à polarização das eleições entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além do aumento dos riscos fiscais. “O cenário de 2022 será dramático, com baixo crescimento e inflação alta. Para uma mudança, será preciso um novo regime político, porque haverá uma tensão entre os candidatos. Temos um presidente que parou de governar e um ministro da Economia em dificuldade enquanto o Centrão amplia a dominância no governo”, lamentou, em entrevista ao Blog. Pelas estimativas de Vale, o dólar continuará valorizado, voltando para R$ 5,50, e os principais indicadores de inflação deverão ficar entre 9,5% e 10%, algo que não era muito diferente do registrado no fim de 2015, quando foi iniciado o processo de impeachment da ex-presidente Dilma

Em janeiro de 2016, a taxa básica da economia (Selic) estava em 14,25% e agora está em 5,25%. “Não queremos dizer, obviamente, que a Selic
voltará para esse patamar. Mas a economia melhorou nos meses seguintes com a queda de Dilma e daqui para a frente a tendência não é de melhorar, mas sim o contrário”, alertou. Entre janeiro de 2016 e outubro daquele ano o câmbio caiu 21%. Seria como dizer que o câmbio chegaria a R$ 4,3 em 10 meses, segundo Vale. “Dada uma eleição mais do que conturbada, certamente o câmbio não vai ser elemento de ajuda. Além disso, a recomposição das tarifas de energia já tinham acontecido em 2015”, acrescentou.

Riscos de golpe

No relatório, Sergio Vale não deixou de alertar para as péssimas consequências da crise institucional criada por Bolsonaro e não descartou o risco de golpe.  “Sem capacidade política de articulação, Bolsonaro caminha rapidamente para ter um fim polı́tico em 2022 ou, se por uma conjunção atı́pica inesperada vencer as eleições, terá dificuldades semelhantes às de Dilma”, alertou. Vale não acredita que o caminho do impeachment de Bolsonaro será o mais provável no momento. “Resta uma queda política via eleição. Os gatilhos para isso tem de sobra: pandemia, crise econômica (inflação e desemprego) e crise hı́drica, para ficar apenas naquelas de maior percepção por parte da população. Gradativamente a elite econômica também começa a abandonar Bolsonaro”, avaliou.

De acordo com o especialista, Bolsonaro não deverá cair de forma pacífica com essa conjuntura que está se formando e parece inevitável. “Os riscos de uma tentativa de golpe pairam no ar. Esse degrau de piora institucional agrava ainda mais a situação econômica para 2022”, alertou.

Aliás, o mercado financeiro está cada vez mais pessimista em relação ao governo, como mostram os economistas que participaram ontem de reunião com diretores do Banco Central.

Vicente Nunes