CUIDADO, LEVY

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Há um sentimento de preocupação tomando conta de parte da equipe econômica. Motivo: a mudança do discurso do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, visto como a única garantia de bom senso dentro do governo. Desde que passou a ser bombardeado pelo PT e pelo ex-presidente Lula, que querem dar o cargo dele para Henrique Meirelles, Levy vem passando por um processo impressionante de mudança. Aos poucos, como diz um técnico conceituado da Fazenda, parece que o ministro está rasgando o diploma de Chicago para estampar na parede a lista de maluquice que os petistas adoram e que levaram o país à recessão e destruíram, apenas nos últimos 12 meses, mais de 1,3 milhão de empregos com carteira assinada.

Levy já fala em estímulos ao crédito, autorizou o aumento do endividamento de estados e municípios e não será surpresa se, nos próximos dias, encampar a ideia de seu colega do Planejamento, Nelson Barbosa, de adotar um sistema de bandas para a meta fiscal. Ao adequar o discurso à cartilha do PT, deixando o ajuste fiscal de lado para falar em crescimento, Levy se junta ao time dos que lutam pela sobrevivência e deixam de olhar para a gravidade da crise na qual o Brasil mergulhou. Desse grupo, os mais notáveis são a presidente Dilma Rousseff, que teve a coragem de se aliar ao seu maior inimigo para evitar o impeachment, e Eduardo Cunha, que está cada vez mais distante da presidência da Câmara dos Deputados.

Ao se apegar tanto ao cargo, Levy só contribui para o aumento da desconfiança. Dentro do Banco Central, que se reúne na próxima semana para ratificar a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano, já se discute sobre a possibilidade de o governo retomar os incentivos ao consumo num momento em que a instituição está de mãos atadas para combater a inflação. Para o time comandado por Alexandre Tombini, em vez de ceder a discursos que não contribuem para o bom andamento da economia, o ministro da Fazenda deveria trabalhar mais pesado para definir os rumos do ajuste fiscal de 2016. Sem isso, não há como falar em política monetária eficiente para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%. Nem mesmo em 2017.

Exageros

Na avaliação de assessores do Palácio do Planalto, há um certo exagero quando se diz que, por medo de ser demitido, Levy se adequou ao modelo defendido por Lula e pelo PT. “É natural que o ministro vá ajustando seu discurso. De forma alguma, ele abandonou a preocupação com o ajuste fiscal. No entende dele, a arrumação das contas públicas é o primeiro passo para que o país volte a crescer consistentemente e a inflação caia”, assinala um dos assessores. Ele diz mais: “Se realmente Levy tivesse abandonado o discurso da austeridade fiscal, o dólar não estaria caindo e a bolsa, subindo”.

O governo, por sinal, vem usando a calmaria dos últimos dias no mercado para difundir a ideia de que o pior da crise ficou para trás. É a mais pura mentira. Tanto que, na revisão de receitas e despesas da União para este ano encaminhada ontem ao Congresso, o Planejamento foi obrigado a admitir que o quadro econômico se deteriorou muito nos últimos dois meses. Agora, o ministério fala em queda de 3,1% no Produto Interno Bruto (PIB), ante os 2,44% projetados anteriormente. A estimativa de inflação saltou de 9,29% para 9,99% e a queda real da massa de salários se ampliou de 4,75% para 5,94%.

Quem acompanha o dia a dia dos mercados sabe a desconfiança em relação ao governo continua latente. O que se vê é uma penca de investidores encerrando posições no país para embolsar os lucros. Os estrangeiros precisam prestar contas à clientela e preferem contabilizar logo os lucros para evitar surpresas desagradáveis. Depois que passar o período de férias, porém, será a hora da verdade. Se o Brasil continuar afundando, sem perspectiva de ajuste fiscal e com Dilma enfraquecida e flertando com o populismo, pode-se esperar um período de tormenta. O mercado não brinca em serviço. E já colocou no radar o custo do “Levyzinho paz e amor”.

Lição da Argentina

» Ao que tudo indica, a Argentina dará uma grande lição ao Brasil e à Venezuela neste fim de semana, ao romper com o populismo que vigorou no país nas últimas duas décadas. O oposicionista Mauricio Macri deve derrotar o kirchnerismo na eleição presidencial marcada para este domingo.

Basta ao atraso

» Com a família Kirchner no poder, a Argentina afundou na recessão, a inflação saiu do controle, o desemprego aumentou e as desigualdades entre ricos e pobres se acentuaram. Foi preciso, no entanto, uma longa jornada e muito sofrimento para que os eleitores dessem um basta ao atraso.

Praga do populismo

» A esperança entre os especialistas é que a guinada prometida pela Argentina, para uma economia mais aberta e sem o intervencionismo do governo, sirva de exemplo à América Latina, que terá, neste ano, o menor crescimento desde 2009. O populismo pode trazer dividendos políticos, mas destrói, sem dó, um país.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes