ROSANA HESSEL
Ao tentar recriar a Contribuição Social sobre Movimentações Financeiras (CPMF), o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem lançando balões de ensaio para tentar convencer que o novo imposto não é tão ruim quanto parece. E, ao longo desse processo, o chefe da equipe econômica vem recebendo cada vez mais críticas do que elogios, porque o novo tributo deverá atingir de forma mais dura os mais pobres por ser regressivo e desigual.
O ministro tem audiência pública prevista para amanhã (05/08) na comissão mista da reforma tributária do Congresso e, com certeza, vai ter que explicar melhor esse tributo polêmico que ele tenta emplacar desde o ano passado. A assessoria do presidente da comissão, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), confirmou a audiência para às 10h. É a segunda sessão do colegiado após a retomada dos trabalhos durante a pandemia.
Guedes e seus assessores tentam emplacar a nova CPMF com um nome diferente, de “micro imposto digital”, e garantem ter o aval do presidente Jair Bolsonaro para ajudar na empreitada. A fim de conseguir aprovação de uma medida tão impopular, alegam que aumentarão a base de tributação. E, para ganhar apoio do empresariado, condicionam ao novo tributo uma contrapartida: a desoneração da folha, reduzindo a contribuição previdenciária de 20% para 10% e a diminuindo de 8% para 6% a taxa de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do empregador.
Mas como não há uma explicação bem detalhada desse novo tributo, a nova CPMF vem sendo vista como uma forma desesperada de Guedes para aumentar a arrecadação que está despencando devido à crise provocada pela covid-19 via o caminho mais fácil. Não à toa, o discurso não tem convencido os interlocutores, inclusive, secretários estaduais de Fazenda, com os quais Guedes só conversou informalmente e, mesmo assim, não conseguiu um consenso, segundo fontes próximas aos governos estaduais.
A economista e advogada Elena Landau não poupa críticas à iniciativa do ministro em tentar recriar a CPFM, seja com que nome for. “Podem dar o apelido que quiserem, contratarem a maior empresa de publicidade do mundo, porque CPMF vai continuar sendo CPMF”, afirmou. “É um imposto para quem tem preguiça de pensar em uma reforma tributária ampla, boa e definitiva, que tire as distorções distributivas”, pontuou.
Para a ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a CPMF é um imposto muito ruim, porque atinge os mais pobres. “É regressivo, distorcido e, na realidade, é a única obsessão do ministro desde que ele começou (no cargo) e, por isso, ele não levou a sério as propostas que estão no Congresso”, acrescentou. Para ela, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45.2019, do economista Bernard Appy, e que tramita na Câmara unificando cinco tributos, que é “muito melhor”.
No Congresso, a proposta de uma nova CPMF parece não ser bem-vinda. Além do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma tributária na comissão especial do Congresso, engrossou o coro contra a nova CPMF. “É um negócio que temos de ter um cuidado porque essa tentação de aumento de carga tributária nos remete a um ambiente medieval, daquele rei que quando vê necessidade manda criar mais um imposto”, disse o relator, ontem, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
E, no mercado, o cordão dos críticos só aumenta. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, não vê nada de positivo nesse novo imposto e ele alerta para riscos de contração na economia com essa obsessão de Guedes. “É o fetiche antigo do ministro, uma pena. Vai causar mais distorções, colocar mais um imposto em cima de bens e serviços que já são sobretaxados”, avaliou. “O certo seria fazer uma ampla revisão no imposto de renda e compensar esse aumento com a desoneração da folha. Do ponto de vista político por causa da pandemia seria uma causa mais ganhadora do que criar um imposto a lá CPMF”, comparou.
Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) também considera a CPMF um imposto que vai na contramão da retomada da atividade econômica porque a carga tributária já é muito elevada para criar um novo tributo que poderá distorcer ainda mais o sistema de arrecadação. “Embora o imposto nos moldes em que se tem discutido satisfaça o princípio da simplicidade, teria um caráter acumulativo e regressivo. Acho que haverá resistência da sociedade. Nossa carga tributária já elevada quando comparada às dos demais países emergentes”, destacou.
Até mesmo o presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, não demonstra simpatia ao novo tributo de Guedes. “A CPMF não parece ser o imposto mais eficiente. Além de prejudicar cadeias econômicas que têm muitos agentes, ela incide em cada elo da cadeia, encarecendo muito o produto final”, afirmou o executivo a jornalistas, nesta terça-feira, durante a apresentação da queda de 40% no lucro do banco no segundo trimestre do ano em relação ao mesmo período de 2019, para R$ 4,2 bilhões.
De acordo com Bracher, uma reforma tributária boa tem que simplificar impostos e não ampliar a carga tributária brasileira, que já é elevada comparada com outros países emergentes. “A proposta que vemos tem aumento de carga no sistema financeiro e esse aumento, inexoravelmente, provoca aumento do custo do dinheiro. Nesse sentido não parece ser uma reforma ideal”, afirmou.
Na avaliação de Vale, da MB, o governo tem que defender de verdade uma simplificação, mas que vá além da proposta de unificação de PIS-Cofins enviada ao Congresso. “O governo vai no caminho correto com o projeto de PIS-Cofins, mas precisar ser mais ousado e encampar a PEC 45 da Câmara”, completou.
Retrocesso
Um tributo nos moldes da CPMF é o pior dos mundos como uma saída para elevar receita. Ele é visto mais como um retrocesso do que avanço na questão tributária, pois nenhum país desenvolvido no mundo usa esse tipo de contribuição. Entre as economias que voltaram a cobrar esse tributo ou utilizam contribuições parecidas estão Argentina, Peru, Venezuela, Honduras, México e Paquistão.
A nova CPMF teria alíquota inicial de 0,2% nas transações eletrônicas e nos saques e nos depósitos em conta-corrente, devendo arrecadar algo em torno de R$ 120 bilhões, conforme estimativas iniciais da equipe econômica. Contudo, nada impede que o governo invente algum motivo para aumentar esse percentual, como ocorreu com a CPMF, que foi criada para arrecadar recursos para a Saúde mas teve outros destinos e acabou ficando permanente por uma década, entre 1997 e 2007.
Enquanto isso, melhorar a qualidade do gasto público é algo que só ficou no discurso da equipe econômica de Paulo Guedes. Mudanças nas renúncias fiscais, inclusive nem são cogitadas, apesar de serem um ótimo caminho para melhorar a alocação de recursos públicos. Em 2019, o governo Jair Bolsonaro, aumentou os gastos com subsídios para 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB), somando R$ 348 bilhões. No ano anterior, esse percentual foi de 4,6% do PIB. E, para piorar, a reforma administrativa continua sendo adiada para evitar confrontos com o funcionalismo.