ANTONIO TEMÓTEO
Desesperado para não fechar as contas no vermelho pelo terceiro ano consecutivo, o presidente dos Correios, Guilherme Campos, não descarta demitir empregados da estatal a fim de tentar equilibrar as contas. A empresa acumula um rombo de R$ 4 bilhões nos últimos dois anos. Documentos obtidos com exclusividade pelo Correio (veja fac simile) mostram que a Vice-Presidência de Recursos Humanos solicitou um parecer ao Departamento Jurídico sobre a possibilidade de demissão motivada.
Empregados de empresas públicas não podem ser demitidos sem justa causa e, para isso ocorrer, seria necessária uma motivação. Pela tese defendida pelo Departamento Jurídico da estatal, essa dispensa seria motivada por questões técnicas, econômicas e financeiras. Além disso, seria necessário apresentar previamente os critérios para os cortes de pessoal e se os serviços prestados não seriam afetados.
Conforme o memorando enviado pela Vice-Presidência de RH, a medida seria adotada caso as ações em curso não sejam suficientes para equilibrar as contas da estatal. Além do Plano de Desligamento Incentivado (PDI), os Correios estudam a redução da jornada de trabalho, com queda de remuneração, a revisão dos mecanismos remuneratórios e do plano de funções, além de mudanças no modelo de custeio do plano de saúde dos empregados da estatal.
Tráfego
O parecer ainda leva em conta dados apresentados pela Vice-Presidência de Finanças e Controles Internos que mostram que a folha de pagamento dos Correios passou de R$ 3 bilhões em 2006 para R$ 7,5 bilhões em 2015. Com isso, as despesas com pessoal subiram de 49% para 62% dos gastos totais da estatal. No mesmo período analisado, o número de empregados passou de 107 mil para 118 mil. Mas o total de “tráfego de objetos” caiu de 8,6 bilhões para 8,2 bilhões. Além disso, o nível de produtividade diminuiu de 80 para 70 objetos por trabalhador.
O parecer jurídico favorável à possibilidade de demissão motivada circulou nos últimos dias pelas redes sociais de empregados dos Correios. Os trabalhadores avaliam que o vazamento ocorreu para obrigar muitos deles a aderir ao PDI. O programa, organizado de maneira atabalhoada pela estatal, incentivará o desligamento dos empregados com pelo menos 55 anos de idade e 15 anos de serviço na estatal. Para esse grupo, será oferecido um Incentivo Financeiro Diferido (IFD) por oito anos.
A fórmula de cálculo levará em conta o valor médio dos salários recebidos nos últimos 60 meses e tempo de serviço, limitado a 35 anos, mediante comprovação de contribuição previdenciária. Em média, o valor mensal do IFD deve corresponder a 35% do valor da remuneração da ativa. Nas contas da estatal, pelo menos, 14 mil empregados se enquadram nas regras para demissão incentivada e a adesão de metade desse grupo poderia implicar economia de R$ 1 bilhão.
O temor dos empregados dos Correios é que, após a adesão ao PDI, o Postalis, fundo de pensão dos trabalhadores, não tenha condições de arcar com o pagamento de benefícios. Atualmente, a fundação cobra contribuições extraordinárias de 17,92% do valor do benefício para cobrir metade do deficit atuarial de R$ 4 bilhões registrado em 2013 e 2014. A outra parte terá de ser coberta pela empresa pública. Um novo equacionamento deve ser implementado para cobrir o rombo de 2015 e devem ser cobrados mais 2,8% de contribuições adicionais.
Trapalhadas
Além do temor dos participantes, o PDI foi aprovado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento em 30 de dezembro, sem parecer atuarial específico sobre os eventuais impactos do programa no plano de previdência da empresa. Nas contas do Postalis, o impacto pode chegar a até R$ 500 milhões.
A Portaria DEST/SE/MP nº 27, de 12 de dezembro de 2012, que regula os pleitos das estatais, no artigo 9º determina que, além dos documentos e informações previstos no art. 3º, o processo de análise do PDI deve ser instruído de parecer atuarial específico sobre os eventuais impactos do programa no fundo de pensão.
O Planejamento informou que a norma traz um exemplo de documentos para instrução dos processos de planos de desligamento, entretanto, não vincula a oportunidade e conveniência da aprovação do PDI a apresentação exaustiva de toda a documentação. “Em outras palavras, nenhum documento é isoladamente condição sine qua non para aprovação, o essencial é que o conjunto de documentos permita uma conclusão segura. No caso em apreço, a vasta documentação avaliada e analisada já permitia aferir os impactos do PDI”, detalhou. O parecer só chegou à secretaria ontem.
Além de burlar a norma para aprovar o PDI, os Correios iniciaram um programa de cortes de funções, que, segundo entidades que representam os trabalhadores, não leva em conta normas vigentes. Conforme a Súmula nº 372 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), se o trabalhador recebe uma gratificação por 10 ou mais anos e o empregador, sem justo motivo, revertê-lo ao seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação, tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. Além disso, a mesma norma determina que mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação.
Associações de empregados já estudam a possibilidade de ingressar com ações na Justiça para questionar a decisão dos Correios de retirar as funções dos empregados. Além disso, alegam que a medida é feita sem qualquer critério. Os Correios informam que estão focados em implantar o PDI, que já foi devidamente autorizado pelos órgãos competentes, nos próximos dias.
Brasília, 10h05min