Apesar de o sinal de alerta ter sido ligado, a grande maioria dos economistas não acredita na volta desses tempos sombrios. A Argentina é um caso isolado, ante a incapacidade do país de recorrer ao mercado internacional para se financiar. Sem reservas cambiais suficientes para enfrentar as mudanças de humor dos investidores, o país vizinho achou por bem pegar US$ 30 bilhões emprestados com o FMI em vez de pagar juros elevadíssimos. Como diz o presidente argentino, Maurício Macri, o Fundo passou a ser a melhor alternativa para uma nação extremamente dependente de financiamento externo.
É possível que, com o reforço no caixa, a Argentina consiga transitar por caminhos menos tortuosos nos próximos meses. Mas, para convencer os investidores de que pode superar seus problemas, o governo Macri terá que reforçar o compromisso com a responsabilidade fiscal e, sobretudo, com a queda da inflação. Desde que assumiu a Presidência da República, no fim de 2015, Macri recebeu todo o apoio dos donos do dinheiro. Contudo, a fim de não empurrar a economia para a recessão, optou por um gradualismo no ajuste. A inflação caiu de 40% para 24% ao ano, elevadíssima para os padrões mundiais, e o deficit público se mantém próximo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) quando incluídos os juros da dívida.
O governo argentino sabe que terá que abrir mão de parte do crescimento econômico para tirar o país do atoleiro em que se encontra. E isso terá pesados custos políticos. A descrença da população é grande, abrindo espaço para o fortalecimento do peronismo encabeçado por Cristina Kirchner, responsável, com o marido, por 13 anos de uma administração populista que levou o país vizinho para a beira do precipício. Sem paciência, com juros de 40% ao ano — os maiores do mundo — e dólar nas alturas, os argentinos podem voltar a acreditar no canto da sereia.
Diferenças entre vizinhos
Assim que soube do pedido de socorro da Argentina ao FMI, o presidente Michel Temer recomendou a seu time econômico que amplificasse as diferenças entre o vizinho e o Brasil. O Palácio do Planalto não quer, de forma nenhuma, que a onda de desconfiança do outro lado da fronteira contamine a economia brasileira, que já não anda lá essas coisas. Por conta do estresse dos investidores, o dólar voltou a subir, flertando com os R$ 3,60, preço a partir do qual os analistas já começam a ver impacto na inflação. A moeda norte-americana foi cotada ontem a R$ 3,57 para venda, com alta de 0,48%.
Temer, inclusive, questionou auxiliares sobre a possibilidade de o Banco Central suspender a alardeada queda da taxa básica de juros (Selic) na próxima semana, de 6,50% para 6,25% ao ano. O mercado se dividiu em suas apostas. Havia duas semanas, era quase unânime a posição de que o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciaria mais uma queda de 0,25 ponto percentual. Agora, 50% dos analistas duvidam da coragem do BC de ratificar sua promessa ante o quadro internacional incerto, com disparada dos preços do petróleo, que elevam o valor dos combustíveis, e dólar subindo sem parar.
A visão do Planalto é a de que o BC tem razões consistentes para levar a Selic para 6,25% e encerrar, nesse nível, o ciclo de afrouxamento monetário iniciado em outubro de 2016. A inflação se mantém próxima a 3%, o piso da meta. Ao contrário da Argentina, o Brasil tem reservas cambiais de sobra, algo como US$ 380 bilhões. O deficit nas contas externas é amplamente financiado por investimentos estrangeiros de longo prazo. Há, porém, a fragilidade das contas públicas. Como no país de Macri, não se conseguiu reverter por aqui o rombo fiscal. Neste ano, o buraco será de ao menos R$ 159 bilhões.
Ajustes pendentes
Na opinião de Eduardo Velho, economista-chefe do Banco do Estado do Espírito Santo, os argumentos do governo para tentar blindar o país de um contágio da crise argentina são consistentes. Tanto que ele mantém a projeção de mais uma queda na taxa Selic na próxima semana. Ele ressalta, porém, que, com o dólar mais alto, acima de R$ 3,50, a inflação passará a subir nos próximos meses, o que obrigará o Banco Central a inverter a política monetária e a elevar os juros a partir do fim de 2018 ou do início de 2019, já com o Brasil sob novo comando.
Pelos cálculos dele, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas, fechará o próximo ano acima dos 4,25% fixados pelo governo como objetivo a ser perseguido pelo BC. A subida dos juros será pequena, mas o suficiente para reforçar o compromisso com o equilíbrio macroeconômico. O Brasil, acredita Velho, tem tempo suficiente para fazer os ajustes que ainda estão pendentes. Só precisará de vontade política para não perder o bonde da história.