A decisão da Argentina de recorre r ao Fundo Monetário Internacional (FMI) ressuscitou um passado nada promissor da América Latina, no qual, ao menor sinal de crise, governantes corriam para Washington em busca de socorro. Com políticas econômicas fracassadas, aceitavam todos os tipos de imposições — e humilhações —, que resultavam em grandes sacrifícios à população sem a garantia de que os problemas seriam resolvidos. Depois de curtos períodos de estabilidade, as crises voltavam ainda mais fortes. Foram pelo menos duas décadas de tormento, calotes e sucessivas recessões.
Apesar de o sinal de alerta ter sido ligado, a grande maioria dos economistas não acredita na volta desses tempos sombrios. A Argentina é um caso isolado, ante a incapacidade do país de recorrer ao mercado internacional para se financiar. Sem reservas cambiais suficientes para enfrentar as mudanças de humor dos investidores, o país vizinho achou por bem pegar US$ 30 bilhões emprestados com o FMI em vez de pagar juros elevadíssimos. Como diz o presidente argentino, Maurício Macri, o Fundo passou a ser a melhor alternativa para uma nação extremamente dependente de financiamento externo.
É possível que, com o reforço no caixa, a Argentina consiga transitar por caminhos menos tortuosos nos próximos meses. Mas, para convencer os investidores de que pode superar seus problemas, o governo Macri terá que reforçar o compromisso com a responsabilidade fiscal e, sobretudo, com a queda da inflação. Desde que assumiu a Presidência da República, no fim de 2015, Macri recebeu todo o apoio dos donos do dinheiro. Contudo, a fim de não empurrar a economia para a recessão, optou por um gradualismo no ajuste. A inflação caiu de 40% para 24% ao ano, elevadíssima para os padrões mundiais, e o deficit público se mantém próximo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) quando incluídos os juros da dívida.
O governo argentino sabe que terá que abrir mão de parte do crescimento econômico para tirar o país do atoleiro em que se encontra. E isso terá pesados custos políticos. A descrença da população é grande, abrindo espaço para o fortalecimento do peronismo encabeçado por Cristina Kirchner, responsável, com o marido, por 13 anos de uma administração populista que levou o país vizinho para a beira do precipício. Sem paciência, com juros de 40% ao ano — os maiores do mundo — e dólar nas alturas, os argentinos podem voltar a acreditar no canto da sereia.
Diferenças entre vizinhos
Assim que soube do pedido de socorro da Argentina ao FMI, o presidente Michel Temer recomendou a seu time econômico que amplificasse as diferenças entre o vizinho e o Brasil. O Palácio do Planalto não quer, de forma nenhuma, que a onda de desconfiança do outro lado da fronteira contamine a economia brasileira, que já não anda lá essas coisas. Por conta do estresse dos investidores, o dólar voltou a subir, flertando com os R$ 3,60, preço a partir do qual os analistas já começam a ver impacto na inflação. A moeda norte-americana foi cotada ontem a R$ 3,57 para venda, com alta de 0,48%.
Temer, inclusive, questionou auxiliares sobre a possibilidade de o Banco Central suspender a alardeada queda da taxa básica de juros (Selic) na próxima semana, de 6,50% para 6,25% ao ano. O mercado se dividiu em suas apostas. Havia duas semanas, era quase unânime a posição de que o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciaria mais uma queda de 0,25 ponto percentual. Agora, 50% dos analistas duvidam da coragem do BC de ratificar sua promessa ante o quadro internacional incerto, com disparada dos preços do petróleo, que elevam o valor dos combustíveis, e dólar subindo sem parar.
A visão do Planalto é a de que o BC tem razões consistentes para levar a Selic para 6,25% e encerrar, nesse nível, o ciclo de afrouxamento monetário iniciado em outubro de 2016. A inflação se mantém próxima a 3%, o piso da meta. Ao contrário da Argentina, o Brasil tem reservas cambiais de sobra, algo como US$ 380 bilhões. O deficit nas contas externas é amplamente financiado por investimentos estrangeiros de longo prazo. Há, porém, a fragilidade das contas públicas. Como no país de Macri, não se conseguiu reverter por aqui o rombo fiscal. Neste ano, o buraco será de ao menos R$ 159 bilhões.
Ajustes pendentes
Na opinião de Eduardo Velho, economista-chefe do Banco do Estado do Espírito Santo, os argumentos do governo para tentar blindar o país de um contágio da crise argentina são consistentes. Tanto que ele mantém a projeção de mais uma queda na taxa Selic na próxima semana. Ele ressalta, porém, que, com o dólar mais alto, acima de R$ 3,50, a inflação passará a subir nos próximos meses, o que obrigará o Banco Central a inverter a política monetária e a elevar os juros a partir do fim de 2018 ou do início de 2019, já com o Brasil sob novo comando.
Pelos cálculos dele, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas, fechará o próximo ano acima dos 4,25% fixados pelo governo como objetivo a ser perseguido pelo BC. A subida dos juros será pequena, mas o suficiente para reforçar o compromisso com o equilíbrio macroeconômico. O Brasil, acredita Velho, tem tempo suficiente para fazer os ajustes que ainda estão pendentes. Só precisará de vontade política para não perder o bonde da história.