A corrupção nos fundos de pensão de estatais parece não ter fim. Nos últimos dias, a Polícia Federal comandou uma devassa na Refer, a fundação que deveria garantir o complemento de aposentadorias de funcionários da antiga Rede Ferroviária Federal. Estima-se que investimentos de péssima qualidade tenham resultado em perdas de R$ 300 milhões. As investigações apontam que, dificilmente, esses recursos serão recuperados. A conta dos desvios acabará no Tesouro Nacional, que deverá injetar R$ 1,7 bilhão no fundo por meio de emissão de títulos públicos. Ou seja, mais dívida para o governo.
As irregularidades na Refer se somam aos desmandos na Petros (dos funcionários da Petrobras), no Postalis (dos Correios), na Funcef (da Caixa Econômica Federal) e no Serpros (do Serpro). A roubalheira nos fundos de pensão foi possível, principalmente, graças às indicações políticas. Em vez de preservar o dinheiro dos trabalhadores, o governo decidiu ratear os comandos das fundações vinculadas a estatais entre os partidos da base aliada. PT e MDB ficaram com a maior fatia das entidades e não economizaram nos negócios que pudessem render propinas.
Presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), que reúne os fundos de pensão, Luís Ricardo Marcondes Martins reconhece que as interferências políticas fizeram muito mal ao setor. “Na minha opinião, tem que prender todo mundo que cometeu irregularidades”, diz. Ele minimiza, porém, os desvios que estão obrigando os participantes da Petros, do Postalis e da Funcef a fazerem contribuições extras às entidades como forma de garantirem que, quando se aposentarem, não ficarão a ver navios. “Foram casos isolados, pontuais, exceções”, afirma.
Para ele, se três ou quatro fundos cometeram crimes, isso não pode punir um setor fundamental para o crescimento econômico do país. Com patrimônio superior a R$ 800 bilhões, as fundações tendem a ser as grandes financiadoras de projetos de infraestrutura. “Estamos falando de 307 entidades, com 2,5 milhões de participantes e 750 mil aposentados com renda média mensal de R$ 6 mil”, diz. Esse sistema, no entender dele, é sólido e tem apresentado, no conjunto, bons resultados. “Agora, sempre é possível aperfeiçoar”, frisa. Sobretudo no caso dos fundos de estatais, que exigem programas de governança mais efetivos para frear as interferências políticas que já se mostraram perversas.
É preciso confiança
Martins admite que, por frequentarem constantemente as páginas policiais dos jornais, os fundos de pensão afastam possíveis novos entrantes no sistema. Os trabalhadores ficam receosos em colocar dinheiro em uma fundação que, mais à frente, pode virar alvo de devassa da Polícia Federal e do Ministério Público. Não será fácil mudar essa imagem, mas, na visão do presidente da Abrapp, com mais transparência e eficiência, com prisão de corruptos para servir de exemplo, os fundos terão condições de mudar esse quadro. Será preciso, também, blindar as entidades ligadas a estatais de indicações políticas. “Isso é vital”, assinala.
Outro ponto importante para o combate à corrupção nos fundos é o fortalecimento da Previc, órgão responsável pela regulação e fiscalização do setor. Hoje, a estrutura da autarquia não consegue atender as demandas, e o trabalho dos fiscais acaba sendo limitado pelos constantes cortes de verbas. “O ideal seria a Previc se tornar uma agência, o que lhe daria mais independência financeira”, sugere o presidente da Abrapp.
A boa notícia, acrescenta ele, é que, independentemente das limitações do órgão regulador e dos problemas de corrupção verificados em algumas entidades, o nível de solvência do sistema é elevadíssimo. “Chega a 90%, patamar observado nos Estados Unidos”, diz. Mas há muitos desafios pela frente. Se não agregar mais gente, as fundações terão tempo limitado de vida. Fala-se em sobrevida até, no máximo, 2036. “Temos que atrair os jovens. O modelo em vigor hoje é muito complexo para eles. Precisamos de produtos diferenciados para esse público”, afirma o executivo.
A Abrapp também prega, como sobrevivência, que as fundações possam agregar em seus quadros parentes de até terceiro grau dos participantes. Se tal possibilidade já estivesse valendo, o total de pessoas cobertas pelo sistema fechado de previdência complementar poderia quadruplicar, ou seja, englobar um público de 10 milhões de beneficiários que teriam um adicional para reforçar as aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essa proposta, por sinal, já está em discussão. Mas que fique claro: nada irá adiante se os fundos não recuperarem seu maior patrimônio: a confiança.
Brasília,