Correio Econômico: Suprema aberração

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O Brasil registrará, em 2018, o quinto ano consecutivo de rombo nas contas públicas. A perspectiva é que o buraco deste ano seja de até R$ 159 bilhões. Na melhor das hipóteses, as finanças federais só voltarão ao azul em 2021 ou em 2022. Como falta dinheiro para pagar todas as despesas, o Tesouro Nacional tem sido forçado a emitir títulos para captar recursos no mercado e não dar calote. O resultado disso é que a dívida do país está encostando em 80% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média das nações emergentes.

Apesar de toda a gravidade da situação fiscal do Brasil, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou aumento de 16,38% em seus salários a partir de 2019. Se o reajuste for aprovado pelo Congresso, o rendimento básico deles passará de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil, provocando um efeito cascata em todo o serviço público. A alegação dos ministros foi a de que não têm correções salariais desde 2015. Essa é a mesma justificativa de juízes e procuradores, que atuaram pesadamente nos bastidores para que o aumento saísse. Eles não dizem, porém, que, efetivamente, já recebem, em média, R$ 47,7 mil por mês, graças aos penduricalhos que engordam seus contracheques.

O impacto da decisão do Supremo nas contas públicas será devastador e exigirá que o próximo presidente da República corte uma série de despesas para manter o Orçamento dentro do teto de gastos. Somente o Supremo, com seus 11 ministros, gastará cerca de R$ 3 milhões a mais em salários por ano. No Judiciário, a fatura adicional será de pelo menos R$ 700 milhões. Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, a folha total da União subirá mais de R$ 3 bilhões, pois os rendimentos dos ministros do STF servem de parâmetro para o teto do funcionalismo.

O aumento dos salários dos ministros do Supremo cai como uma bomba na Esplanada dos Ministérios. No mesmo instante em que eles discutiam sobre o reajuste, o ministro do Planejamento, Estevão Colnago, propunha ao presidente Michel Temer o adiamento da última parcela do reajuste dos servidores civis de 2019 para 2020. A meta é economizar R$ 6,9 bilhões com a folha e destinar esses recursos para áreas mais carentes, como a da Educação. Resta saber se a indignação dos servidores vai ultrapassar as repartições. Eles devem ao ministro Ricardo Lewandowski, do STF, o recebimento da correção prevista para este ano, que o governo também queria adiar. Os servidores terão coragem de partir para cima do Supremo?

Carona do Congresso

Num país que se debate para sair da recessão e no qual 13 milhões de pessoas estão desempregadas, a decisão dos ministros do STF em benefício próprio é uma aberração. Em vez de darem exemplo, mostram que não estão nem aí para o controle fiscal do país. Por trás da dramática situação da economia, está a dificuldade do governo em equilibrar suas contas. Desconfiados de que o Tesouro pode dar um calote, investidores pedem juros mais altos para financiar a dívida pública. Esse mesmo temor faz os empresários adiarem investimentos no aumento da produção, agravando o desemprego.

O corporativismo dos ministros só contribuirá para desgastar ainda mais a imagem do Supremo. Há uma indignação com a mais alta Corte no país por causa de decisões que têm beneficiado corruptos. Antes de votar pelo aumento do próprio salário, o ministro Gilmar Mendes colocou nas ruas mais três suspeitos de corrupção: os executivos Daurio Speranzini Junior, Miguel Iskin e Gustavo Stellita. Eles foram pegos na Operação Ressonância, um dos desdobramentos da Lava-Jato que investiga fraudes no setor de saúde no Rio de Janeiro.

Num país sério, certamente o Congresso vetaria o reajuste dos salários dos ministros do STF. No Brasil, tudo indica que deputados e senadores não só aprovarão o aumento como pegarão carona na proposta. Antes de o Supremo anunciar sua decisão, já havia um movimento de parlamentares articulando elevar os próprios rendimentos. O momento é propício, alegam os defensores desta tese, pois se está diante de um governo fraco, sem base para barrar pautas que impliquem mais gastos. Dizem ainda que, com as eleições pegando fogo, os candidatos não comprarão briga com o Parlamento, porque dependem do apoio dos partidos das coligações para se viabilizarem na disputa pelo Palácio do Planalto.

O resumo de tudo isso é que os brasileiros terão que meter a mão no bolso para bancar, por meio de impostos, os aumentos salariais para os servidores públicos mais bem pagos do país. Gente que não economiza ao avançar sobre os cofres da União para garantir todo tipo de privilégio. Esse é o Brasil do atraso, que sempre vence. Faltando quase dois meses para a escolha no novo presidente da República e do futuro Congresso, deveríamos estar cheios de esperança por mudanças. Mas o que veremos será mais do mesmo. Ouviremos, ao longo das campanhas, discursos pregando o novo. Mas quando 2019 chegar, tudo permanecerá na mesma. Os sanguessugas continuarão dando as cartas, se apossando do que puderem, e a maior parte da população, sofrendo as mazelas do baixo crescimento e da crônica falta de emprego. Alguém duvida disso?

Brasília, 06h40min

Vicente Nunes