Correio Econômico: Previc impediu Serpros de impor perdas de R$ 200 mi a associados

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A farra com dinheiro dos trabalhadores no Postalis, o fundo de pensão dos Correios, levou a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) a ligar o sinal de alerta. A meta é evitar que mais dinheiro dos poupadores escorra pelo ralo da corrupção. Segundo o diretor de Fiscalização e Monitoramento do órgão, Sergio Djundi Taniguchi, 25 fundações estão hoje sob supervisão permanente. Juntas, representam quase 80% do patrimônio do sistema fechado de previdência complementar, de mais de R$ 800 bilhões.

 

Por meio desse monitoramento, a Previc coloca dois fiscais em cada fundo, que passam a acompanhar todas as operações da entidade. Nenhum investimento é realizado sem que tenha sido submetido ao crivo deles. Foi assim que os fiscais conseguiram abortar um prejuízo de R$ 200 milhões do Serpros, o fundo dos empregados do Serpro, empresa de tecnologia controlada pelo Ministério da Fazenda. O Serpros, pelo que levantou a Previc, estava repetindo todas as operações que levaram o Postalis a acumular prejuízos superiores a R$ 6 bilhões.

 

Quando chegaram ao Serpros, os fiscais da Previc perceberam que a então diretoria, indicada por partidos políticos, estava metendo o dinheiro dos trabalhadores em negócios sem retorno. Para tentar estancar a roubalheira, a Previc interveio na fundação. Durante mais de um ano, houve um processo de saneamento na entidade. Poucos meses depois de ser devolvido aos gestores, porém, o Serpros sofreu nova intervenção. A Previc constatou que todos os malfeitos haviam voltado com força. Ao retomarem a gestão do fundo, os fiscais brecaram um investimento milionário no antigo Porcão, que quebrou e foi um dos piores negócios feitos pelo Postalis. Mesmo com todo o trabalho da Previc, o Serpros acumulará prejuízos de R$ 500 milhões.

 

Reputação ilibada

 

O que chama a atenção nesse grupo de 25 fundos de pensão que estão sob supervisão permanente da Previc é que a maioria absoluta é ligada a empresas estatais, e acabam sendo usadas como barganha política. Taniguchi diz que o rigor maior na seleção dos administradores dos fundos é recente. Para se ter uma ideia, até o fim de 2017, não estava previsto em lei a necessidade dos dirigentes de fundações terem reputação ilibada, um requisito primordial. Qualquer um, mesmo com a ficha suja, poderia comandar um fundo de pensão. Agora, há um filtro maior feito pela Previc.

 

No fim dos anos 1990, depois de sucessivos escândalos, houve uma tentativa de moralizar a gestão das fundações com a aprovação, pelo Congresso, da Lei Complementar 109. Mas não se previu a reputação ilibada. Os congressistas, muito espertamente, deixaram as portas abertas para indicar seus apadrinhados, encarregados de surrupiarem o dinheiro poupado para complementar a aposentadoria dos trabalhadores. Antecessora da Previc, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) pouco pôde fazer para barrar a farra de indicações. Foi preciso anos e anos de irregularidades para se impor limites.

 

O diretor de Fiscalização da Previc ressalta que, além do maior rigor na seleção de dirigentes de fundos de pensão, há uma integração maior entre os órgãos reguladores e fiscalizações. Foi por meio de um amplo trabalho realizado pelo órgão que o Ministério Público e a Polícia Federal detonaram a Operação Pausare, que desvendou irregularidades no Postalis, e a Operação Greenfield, que combateu fraudes na Funcef, a fundação dos funcionários da Caixa Econômica Federal, e na Petros, dos empregados da Petrobras. Em outros tempos, todo o trabalho da Previc, certamente, iria para o lixo.

 

Relações políticas

 

Taniguchi reconhece que ainda há muito a avançar na regulação e na fiscalização dos fundos de pensão. Hoje, por exemplo, a Previc só consegue ter acesso a todas as operações das entidades que não estão sob supervisão permanente um mês depois de realizadas. O ideal é que esse acompanhamento passe a ser feito em tempo real. “Mas já caminhamos muito. Até bem pouco tempo, a prestação de contas era trimestral, e não havia um detalhamento das operações. Os fundos apresentavam um quadro fechado, sem explicar como o dinheiro havia sido movimentado no período”, explica.

 

Ele afirma ainda que a Previc está preparando uma minuta para aumentar a multa aplicada aos gestores de fundações que forem pegos desviando recursos das aposentadorias dos trabalhadores. Atualmente, a multa máxima é de R$ 46 mil por pessoa. O objetivo é elevar esse valor para até R$ 2,6 milhões, quantia comparada à cobrada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em caso de crimes no mercado de capitais.

 

Na avaliação do diretor da Previc, nem todos os problemas enfrentados pelas fundações devem ser atribuídos à má gestão e à roubalheira. O país viveu uma crise econômica pesada, que afetou vários negócios nos quais os fundos têm participação. “É verdade que houve muitas coisas não republicanas, mas a crise foi profunda”, diz. Ele ressalta que, com a queda dos juros, a administração dos recursos dos trabalhadores terá de ser ainda mais eficiente, pois os riscos assumidos vão aumentar. Nesse contexto, não há espaço para entregar o comando das fundações a pessoas cujas principais credenciais são as relações estreitas que mantêm com políticos.

 

O país têm 307 fundações fechadas de previdência complementar, que pagam cerca de R$ 50 bilhões por ano em benefícios. O número de participantes do sistema anda estagnado. Para Taniguchi, a falta de interesse dos brasileiros pelas fundações decorre, também, da imagem ruim que se difunde país afora por meio de casos como o do Postalis, da Funcef e da Petros. Já passou da hora de pôr um ponto final nisso.

 

Brasília, 06h25min