Correio Econômico: Portas abertas para a impunidade

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Sim, é preciso serenidade. Sim, é preciso respeitar as opiniões diferentes, como prega a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Mas, no caso da prisão depois de o réu ser condenado em segunda instância, só há um caminho: a manutenção de decisão da Corte sobre o tema. Se, por conveniência, o STF recuar e derrubar a jurisprudência que está em vigor, empurrará novamente o país para o atraso, beneficiando os criminosos endinheirados, que sempre se aproveitaram de leis falhas para protelar decisões judiciais e viver sob o manto da impunidade.

Historicamente, criminosos ricos, sobretudo os corruptos contumazes, nunca foram presos no Brasil. Com dinheiro para pagar advogados caríssimos, usavam todas as brechas na lei a fim de empurrar as sentenças para um futuro que nunca chegava. Enquanto isso, pobres, negros e ladrões de galinha eram enjaulados, mesmo antes de decisões em primeira instância. Esse país inaceitável, felizmente, começou a mudar quando, em 2016, o STF sacramentou o cumprimento de penas após sentença em tribunais colegiados. As prisões não precisariam mais esperar pelo trânsito em julgado.

Não estranha, portanto, que um grupo de advogados esteja liderando um movimento para pressionar o Supremo com o intuito de mudar sua decisão. A eles interessa muito a impunidade. Quanto mais tempo tiverem para recorrer, para protelar as sentenças, mais dinheiro poderão tirar de seus clientes. Há uma indústria de liminares que só favorece um seleto grupo, formado por bandidos que querem continuar livres e advogados que prestam serviços para eles. A maioria, porém, prega que prevaleça a Justiça. E isso inclui a prisão após decisão em segunda instância.

Se o STF ceder à pressão dos poderosos, colocará o Brasil numa posição vergonhosa perante o mundo. Dos 194 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), 193 preveem prisões em primeira e segunda instâncias. Por que, então, temos que ir na contramão do mundo? Por que temos que voltar a favorecer endinheirados que se consideram acima do bem e do mal? Por que a lei tem que valer somente para aqueles que não podem pagar por um bom advogado?

Que fique claro: se o Supremo derrubar a prisão em segunda instância, além do ex-presidente Lula, que terá um habeas corpus julgado nesta quarta-feira, serão beneficiados imediatamente nove “poderosos” presos no âmbito da Operação Lava-Jato e outros 11 que estão próximos de irem para atrás das grades.

Direita e esquerda

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, não exagera quando diz que o Brasil celebrou, de longa data, e com renovação constante, um “pacto oligárquico de saque ao Estado brasileiro” a fim de favorecer políticos e empresários. Nessa aliança, a corrupção se tornou um “modo de conduzir o país”. Para Barroso, esse pacto envolveu parte da classe política, parte da classe empresarial e parte da burocracia estatal. “(A corrupção) não era produto de falhas individuais, era um programa, um modo de conduzir o país com um nível de contágio espantoso, que envolvia empresas públicas e privadas, agentes públicos e privados. Foi espantoso o que realmente aconteceu no Brasil”, afirma.

Mais estarrecedor será se o STF, num casuísmo por causa de um ex-presidente condenado em segunda instância a 12 anos de prisão, optar pelo retrocesso. Não podemos esquecer que, mesmo com a decisão da mais alta Corte do país, a impunidade ainda é regra para muitos. Imagine se o Supremo escancarar novamente as portas? Como poderemos acreditar que, finalmente, a lei é para todos? O combate à corrupção é um dever de todos. Não tem ideologia. Vale tanto para a direita quanto para a esquerda. Não deve haver conveniência nessa questão.

Os próximos dias serão, portanto, cruciais para o país. O STF dirá se está a favor da impunidade ou do combate aos criminosos. Não há mais o que discutir sobre prisões após sentença em segunda instância. Os que transgrediram a lei devem pagar por isso, independentemente do tamanho de suas contas bancárias. Esse fato já está pacificado.

Brasília, 06h27min

Vicente Nunes