Oficialmente, integrantes do governo vibram com os resultados positivos do mercado financeiro. Sempre que alguém questiona se o país realmente está saindo do atoleiro, assessores do presidente Michel Temer tratam de mostrar o excelente desempenho da Bolsa de Valores, na maior sequência de alta desde 2010, e a queda do risco Brasil para comprovar que a confiança no país voltou com tudo, e isso será vital para uma retomada mais forte do crescimento do consumo e da produção.
Nos bastidores, porém, integrantes da equipe econômica vêm questionando o excesso de euforia dos investidores. Os técnicos reconhecem que houve avanços na gestão do país, mas ainda estamos longe de deixar os problemas para trás. A começar pela questão fiscal. Nessa área, os fundamentos são extremamente frágeis, tanto que o governo está trabalhando para mudar a regra de ouro das contas públicas a fim de fazer dívidas para cobrir gastos correntes, como salários de servidores.
Quem acompanha o dia a dia das finanças federais sabe que a situação é dramática. O rombo fiscal só não está explodindo — em 2017, ficou cerca de R$ 30 bilhões abaixo do teto previsto, de deficit de R$ 159 bilhões — graças às receitas extraordinárias obtidas com vendas de ativos. A regra de ouro só não foi quebrada no ano passado, e não será em 2018, devido aos repasses feitos ao Tesouro pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Como, em 2019, essa torneira de repasses secará, o risco de o governo cometer crime de responsabilidade se tornou líquido e certo. Não por acaso, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, trataram de se mexer para evitar problemas futuros com a Justiça. A dívida pública, por sua vez, caminha célere para os 80% do Produto Interno Bruto (PIB), índice próximo de calote. Ou seja, tudo está muito ruim na área fiscal. E pode se agravar ainda mais caso o governo seja derrotado na proposta de reforma da Previdência Social.
A situação é tão séria que, mesmo assumindo publicamente que o debate sobre a regra de ouro só será retomado depois da reforma da Previdência — discurso feito por ordem de Temer, para conter o desgaste político —, Meirelles e Oliveira continuarão atuando nos bastidores para pavimentar o caminho da mudança da norma. Farão isso discretamente, para evitar ruídos maiores e, sobretudo, para não mancharem seus currículos. Meirelles sonha em ser presidente da República e quer manter a ficha limpa.
Efeito Lula
Além de fecharem os olhos para o rombo fiscal, os investidores apostam todas as fichas na condenação do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRT-4), em julgamento marcado para 24 de janeiro. Acreditam que o petista será condenado por 3 a 0, o que acabará com qualquer possibilidade de ele recorrer a outras instâncias e de se manter na disputa pela Presidência da República. Além de o julgamento poder se arrastar, pois qualquer um dos desembargadores tem direito a pedir vistas do processo, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser acionado e, por sua histórica morosidade, tenderá a deixar o barco correr com Lula como candidato.
A Bolsa, nos atuais 79.378 pontos, depois de 11 pregões seguidos de valorização, indica Lula impedido de concorrer à sucessão de Temer e a vitória de um candidato reformista. É arriscado demais apostar nesse cenário. Não se pode esquecer o que ocorreu recentemente mundo afora, em que as eleições se tornaram muito imprevisíveis. O quadro eleitoral brasileiro está muito incerto. Lula aparece isolado na liderança das pesquisas de intenção de voto, mas hoje não se pode dizer que vá chegar até o final da disputa. O deputado Jair Bolsonaro é o vice-líder, mas há uma campanha pesada para também tirá-lo do páreo. Nenhum dos candidatos de centro tem mais do que 6% da preferência do eleitorado.
Enfim, se nada sair como o roteiro traçado pelos investidores, a euforia que domina o mercado vai se transformar em perdas monumentais. O pessimismo arrastará para o buraco o setor produtivo. A retomada da economia, que está se consolidando lentamente, pode ser interrompida. O fantasma de uma crise está à espreita, pronto para dar o bote.