É verdade que o governo conseguiu encontrar o discurso certo para convencer o Legislativo sobre a importância da reforma. Ao ressaltar que o objeto principal é acabar com os privilégios dos que ganham muito e se aposentam cedo, como os servidores públicos, o Planalto quebrou muitas resistências. O problema foi que essa reação veio tarde demais, às vésperas de o Congresso fechar as portas para o recesso de fim de ano. Vimos, ao longo do tempo, um governo acuado por denúncias e com um discurso temeroso na hora de enfrentar a oposição que havia se consolidado contra a reforma.
Quem acompanha o dia a dia do Congresso percebe, claramente, a falta de consenso e, sobretudo, de mobilização entre os parlamentares. Para aliados do governo, se a equipe econômica não tivesse criado tanta dificuldade para enxugar o projeto de reforma e fizesse esclarecimentos mais contundentes das propostas, certamente os votos decisivos às mudanças no sistema de aposentarias já estariam nas mãos de Temer. Agora, reconhece um integrante do Planalto, é insistir até o final. E preparar o discurso de que, se a votação não ocorrer neste ano, ainda dá tempo de fazer a reforma em 2018.
Mão de via única
Pelos corredores do Planalto, as maiores queixas são contra o PP e o PSD, que levaram tudo o que pediram e ainda não fecharam questão em torno da reforma da Previdência. Com a promessa de apoio, o PP levou recentemente o comando do Ministério das Cidades. O deputado Alexandre Baldy foi tirado do ostracismo para comandar uma pasta poderosa, que toca obras com grande visibilidade. Contudo, parte dos 46 deputados do partido se mostra relutante a dar os votos que Temer tanto precisa. No PSD, dos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Gilberto Kassab (Comunicações), na melhor das hipóteses, 22 dos 37 parlamentares dizem sim à reforma.
“Cá para nós, o governo deveria pegar mais pesado com os partidos da base, em especial com aqueles que têm ministros. É inadmissível que eles não tenham ascendência sobre seus partidos”, afirma um auxiliar do presidente. Para ele, na altura em que as negociações estão, não há como o Planalto endurecer o discurso. “Agora, só nos resta amaciar os egos e conseguir o compromisso de votação da reforma. Esse é o nosso objetivo principal neste momento. Se vamos conseguir, não sei”, acrescenta. O assessor de Temer afirma ainda que o próximo fim de semana será decisivo. O governo terá em mãos levantamento com dados suficientes para definir se leva ou não a votação ao plenário da Câmara.
Tensão nas alturas
As dificuldades de Temer para conseguir apoio à reforma elevaram o nível de tensão entre os investidores, principalmente porque muitos contam com a inflação baixa e os juros nos menores níveis da história para que a retomada da atividade não se transforme em frustração. A curto prazo, reconhecem que esse risco não existe, mas, certamente, sem as mudanças no regime de aposentadorias, mais à frente, o Banco Central terá que elevar a taxa básica (Selic) para evitar que a inflação se desloque das metas. Muitos se questionam qual será a velocidade dessa alta e até aonde irão os juros.
Não por acaso, os investidores vão ler com lupa a ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que será divulgada nesta terça-feira. Querem ter a certeza de que o BC ratificará o comunicado divulgado na semana passada, depois da reunião na qual a Selic baixou para 7% ao ano. No documento, o BC deixou aberta a possibilidade de dar pelo menos mais um corte na taxa básica, de 0,25 ponto percentual, mesmo que a reforma não seja aprovada. Parte do mercado fala em queda adicional de 0,25 ponto em março, com os juros ficando em 6,50% por algum período.
Na avaliação de Rafael Cardoso, economista da Daycoval Investimentos, do ponto de vista inflacionário, não há com o que se preocupar. Qualquer que seja o indicador analisado, tudo aponta para resultados bem abaixo de 4,5% no ano que vem. Sendo assim, ele acredita que os juros poderão, sim, chegar aos 6,50% em março próximo. “No balanço de riscos, a situação pesa para o lado benigno. E não se pode esquecer que o próprio BC destacou, em seus documentos, que, a curto prazo, a reforma da Previdência tem efeito neutro sobre suas decisões de política monetária”, frisa.
Brasília, 06h56min