ANTONIO TEMÓTEO
O pedido de reajuste salarial de 16,38% dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em meio à penúria das contas públicas, é um absurdo sem tamanho. Tão grande é o disparate que a condenação é unânime entre todas as correntes de pensamento. Os ministros dizem que o salário de R$ 33.763 não é suficiente para atender a suas necessidades financeiras e, por isso, os R$ 39,3 mil são essenciais para pôr fim às “perdas salariais dos últimos cinco anos”.
Se aprovada pelo Congresso Nacional, a medida abrirá a porteira para que as diversas categorias de servidores iniciem uma romaria pelos corredores da Câmara dos Deputados e do Senado para que os parlamentares garantam, por meio de leis, mais reajustes salariais. Além disso, outros milhares de trabalhadores da administração pública serão imediatamente beneficiados se o Legislativo elevar a remuneração dos ministros do Supremo.
Dados do Ministério do Planejamento apontam que o reajuste dos salários dos ministros do STF terá um efeito cascata nos vencimentos de 5.773 servidores do Executivo Federal. Nesse número, não são levados em conta funcionários do Legislativo e do Judiciário. A medida deve beneficiar servidores com mais tempo de carreira no Senado e na Câmara, entre eles os consultores legislativos, muitos com o salário equivalente ao de magistrados do STF.
O gasto adicional com o pagamento dos servidores do Executivo será de R$ 18,7 milhões por mês e de R$ 243,1 milhões por ano, caso a proposta receba o aval do Legislativo. O reajuste do teto também atinge os cargos de presidente, vice-presidente e ministros de Estado, que têm a sua remuneração fixada pelo Legislativo. A elevação do gasto na folha de pagamento seria de mais R$ 7 milhões por ano.
Nos casos em que o servidor tem remuneração superior ao teto de R$ 33.763, é realizado um desconto no contracheque, conforme o artigo 42 da Lei nº 8.112/90 (abate-teto). Vale lembrar que o aumento do teto dos ministros do Supremo também teria efeito sobre o vencimento do procurador-geral da República, procuradores, ministros das diversas cortes do país e juízes de primeiro e segundo graus. Sempre que um reajuste é aprovado, há um efeito cascata em todas as esferas do poder público.
A revisão nos contracheques dos ministros do STF também costuma ser acompanha de um aumento nas remunerações de deputados e senadores. Os parlamentares estão envolvidos nas campanhas, mas é possível que, durante os dias de esforço concentrado, o tema seja debatido por eles. Com isso, o impacto final nas contas públicas tende a ser maior do que o esperado.
Se a remuneração dos parlamentares também for revisada, custará R$ 3,3 milhões por mês aos cofres públicos. O impacto anual chegará R$ 42,7 milhões. No fim das contas, o que fica para sociedade é o mau exemplo dos marajás, pouco interessados nos problemas do país e de olho apenas em engordar os contracheques. Vale lembrar que os mesmos ministros que querem um salário de R$ 39,3 mil já recebem auxílio-moradia de R$ 4,3 mil, mesmo tendo residência própria na capital federal.
Abismos
A tendência é de que os reajustes em cascata aprofundem ainda mais as desigualdades sociais e salariais entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Os servidores públicos ganham, em média, salário 80,9% maior do que os trabalhadores da iniciativa privada. No Distrito Federal, porém, a desigualdade é ainda maior. Os estatutários têm renda média de R$ 7.335 e os celetistas, de R$ 3.023,03 — diferença de 142,6%.
A participação dos rendimentos dos servidores na massa salarial no Brasil chegou a 31,8% em 2016. No Distrito Federal, no entanto, essa relação é mais do que o dobro: 66,4%. Isso quer dizer que, de cada R$ 100 em salários pagos na capital da República, R$ 66,40 vêm das administrações federal e distrital. Não por acaso, os servidores têm forte influência e são considerados estratégicos para qualquer político que deseje chegar ao poder.
O governo tem encontrado forte resistência dos servidores e do STF para adiar reajustes salariais em busca de alternativas para cumprir a meta fiscal do ano, que prevê um rombo de R$ 159 bilhões. Será o quinto ano consecutivo em que o Brasil gastará mais do que arrecada e a a perspectiva é de que o buraco só seja tapado a partir de 2021 ou 2022.
Com o caixa estrangulado, o Tesouro Nacional tem sido obrigado a se endividar para captar recursos no mercado e não dar calote. O resultado disso é que o nível de endividamento do governo federal terminará o ano próximo de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média dos países emergentes. Não há mais espaço para essas aberrações. Ou o país equilibra as finanças, ou estará fadado ao pior dos cenários, com inflação galopante, juros exorbitantes e desemprego em massa.
Milhares de empresas fecharam as portas desde 2014 e mais de 13 milhões de brasileiros estão desempregados. Nada mais justo do que os marajás deem sua cota de contribuição para que a economia volte a crescer e para que milhões de pessoas voltem a sonhar com um futuro melhor.
Já está claro que o país precisa passar por mudanças estruturais. E parte desse processo pode ser resolvido em outubro, nas eleições. É fundamental que os eleitores escolham bem quem será o próximo presidente da República. Mais importante, entretanto, será a escolha de deputados e senadores, os representantes do povo que, até aqui, pouco têm se interessado pelos temas essenciais para que o país volte aos trilhos do crescimento. Serão eles que decidirão, de fato, se o Brasil afundará de volta na recessão ou se tornará um lugar melhor para viver.