Diante desses números, não resta dúvida de que, tirada a reforma da Previdência Social do radar (aprovada, ou não), o governo terá que se debruçar sobre o projeto que muda toda a estrutura do funcionalismo. Não é possível que servidores continuem entrando no serviço público ganhando de R$ 15 mil a R$ 20 mil por mês, salários próximos aos daqueles que estão à beira de se aposentarem. Com esses rendimentos iniciais, não há estímulo para que executem bem as suas funções. Ao longo do tempo, acabam se acomodando, pois falta um plano de carreiras que premie os melhores com promoções.
A reestruturação das carreiras do funcionalismo público foi alvo de intensos estudos pelo Ministério do Planejamento no ano passado. Depois de analisar toda a estrutura salarial de cada grupo — são mais de 200 —, o órgão produziu um projeto de lei que limpa o modelo atual e corrige as distorções. A proposta com as mudanças está na Casa Civil e prevê salários iniciais de até R$ 2,8 mil nos cargos de nível médio e de até R$ 5 mil nos de nível superior.
Os servidores que entrarem no governo já nessas condições levarão pelo menos 20 anos para atingir os salários máximos da carreira, num sistema meritório, muito parecido com o que prevalece na iniciativa privada. A medida, se aprovada pelo Congresso, obrigará os funcionários federais a se capacitarem, a provarem que são bons e que merecem ter reajustes nos contracheques. Mais que isso, eles terão que dar retorno adequado à sociedade, sobretudo por meio da prestação de serviços. Hoje, mesmo custando caríssimo, o Estado dá um péssimo atendimento aos contribuintes.
Quadro dramático
Na avaliação de Arnaldo Lima, assessor especial do Planejamento, o projeto que reestrutura as carreiras do funcionalismo não deve provocar tanta polêmica. Ele acredita que há uma consciência de que os gastos com servidores não podem continuar crescendo, indefinidamente, acima da inflação. Com o teto dos gastos, mantido o atual ritmo de expansão da folha salarial, o governo terá que tirar recursos de áreas essenciais para custear a folha de pessoal. A situação é tão dramática que a União vem bancando uma série de despesas por meio da emissão de dívidas. Ou seja, o Tesouro Nacional já não arrecada o suficiente para cobrir despesas corriqueiras. Pior, corre o risco de incorrer em crime de responsabilidade fiscal.
Se a situação já é difícil na União, o quadro se torna dramático entre estados e municípios. Pelos cálculos do assessor do Planejamento, os gastos com salários têm aumentado, em média, 20% ao ano acima da inflação. Quer dizer: a cada quatro ou cinco anos, as despesas com o funcionalismo dobram de tamanho. Não há país que consiga sustentar tamanha fatura. Não por acaso, estados como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte estão quebrados, deixando os cidadãos ao deus-dará. A violência no carnaval carioca é o exemplo mais contundente do descalabro desses estados.
Lima ressalta que os servidores ativos e inativos da União consomem, por ano, 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando essa conta considera estados e municípios, mas só computa os que estão trabalhando, a fatura corresponde a 10,5% de todas as riquezas produzidas pelo país. Isso mesmo: de cada R$ 100 de tudo o que o Brasil produz por ano, R$ 10,50 vão para o pagamento de servidores da ativa. Essas despesas são superiores à verificada na média dos países ricos, de 10%, segundo levantamento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No banco dos réus
Muitos dos problemas que estão sendo enfrentados pela União e por estados e municípios foram causados por governos perdulários e irresponsáveis, que deram reajustes salariais e incharam a máquina de servidores como se o dinheiro dos contribuintes fosse infinito. No caso da administração federal, há aumentos salariais contratados até 2019, o que fará com que a folha de pessoal continue subindo muito além da inflação. O reajuste previsto para este ano foi parar na Justiça e está sendo pago por meio de uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Os gastos da União com servidores sobem muito por conta dos reajustes concedidos nos últimos anos e por conta dos aumentos vegetativos, como os dados a pessoas que mudam de função”, explica Arnaldo Lima. Ele destaca que, no Executivo, o salário médio está hoje ligeiramente acima de R$ 10 mil por mês. No Judiciário e no Legislativo, as remunerações médias variam entre R$ 16 mil e R$ 17 mil. Isso, sem nenhum dos penduricalhos que incham os contracheques. Segundo o Banco Mundial, na média, os funcionários públicos no Brasil recebem 67% a mais do que os trabalhadores da iniciativa privada. É uma transferência de riqueza impressionante para um grupo pequeno de brasileiros.
Brasília, 06h54min