Correio Econômico: Estradas da perdição

Publicado em Economia

POR ANTONIO TEMÓTEO

 

O acidente na BR-020 que envolveu dois caminhões, um ônibus e causou a morte de sete pessoas traz à tona mais um dos incontáveis problemas do país. O motorista de um dos caminhões não é habilitado para dirigir esse tipo de veículo. Para piorar, dados da S.O.S. Estradas estimam que 500 mil condutores de veículos pesados trafegam com exames toxicológicos vencidos desde o fim do ano passado. Desse total, a entidade, que trabalha para aumentar o nível de segurança nas estradas, estima que 20 mil têm mais de 65 anos.

 

A obrigatoriedade do exame foi determinada pela Lei 13.103/2015 para condutores das categorias C, D e E. Na avaliação da S.O.S. Estradas, parte do problema seria resolvida se o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamentassem a inclusão da validade do exame nas carteiras de habilitação. Segundo a entidade, desde que o exame se tornou obrigatório, o número de mortes nas rodovias caiu 40%.

 

Estudo realizado pelo S.O.S. Estradas, feito com base em mil acidentes rodoviários que resultaram em mortes, constatou que 363 ocorrências envolveram um caminhão e um veículo de passeio. Dos mortos nesses acidentes, 605 eram ocupantes dos veículos leves e apenas 17, dos caminhões. Para o coordenador da entidade, Rodolfo Rizzotto, é uma evidência da importância da fiscalização permanente da circulação de veículos pesados, devido às consequências trágicas quando eles se envolvem em acidentes.

 

Para Rizzotto, uma simples observação nas carteiras desses motoristas pode salvar centenas de vidas. “A droga é incapacitante, seja pelo uso ou pelos efeitos da abstinência. Não podemos permitir que motoristas drogados continuem trafegando, quando temos um exame capaz de identificar aqueles que fizeram uso frequente de drogas nos últimos seis meses”, destaca.

 

Ele alerta que o uso de drogas por motoristas de veículos pesados se deve às condições degradantes de trabalho dos profissionais. Embora representem apenas 4% da frota nacional, os veículos pesados são responsáveis por 38% dos acidentes e por 53% das mortes nas estradas. O Brasil é o terceiro país que mais mata no trânsito. Rizzotto ressalta que parte das empresas de transporte de cargas tem resistido a adotar os exames toxicológicos.
Normas

 

Desde setembro do ano passado, as empresas são obrigadas a informar ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) a realização de exame toxicológico nos motoristas profissionais admitidos e demitidos. Os exames devem ser custeados pelas empresas. A regra vale para motoristas profissionais de veículos de pequeno e médio portes, de ônibus urbanos, metropolitanos e rodoviários e de cargas em geral.

 

Além do resultado do exame toxicológico, o empregador deve informar ao Caged a data do exame, o CNPJ do laboratório, a unidade federativa do Conselho Regional de Medicina e o número do CRM do médico. Conforme o coordenador da S.O.S. Estradas, o exame nos motoristas é realizado a cada dois anos e meio, em média. Para ele, o procedimento deveria ser estendido a todos os motoristas do país, inclusive de veículos particulares, e a motociclistas. Para os profissionais, deveria ser realizado anualmente.

 

Na opinião de Rizzotto, o poder público é negligente ao não fiscalizar a situação dos motoristas profissionais. Ele explica que muitos se tornam dependentes químicos e ficam à mercê de traficantes. “Nas rodovias, 30% dos profissionais são usuários de drogas, conforme estudo do Ministério Público do Trabalho”, alerta. O coordenador destaca que 70% deles usam cocaína. “Antigamente, usavam anfetaminas. Mas, agora, para ficarem acordados, usam cocaína. Como são submetidos a uma rotina de trabalho análogo à escravidão, dirigindo 80 horas por semana, precisam fazer muitas viagens para obter remuneração adequada. E isso prejudica quem trabalha direito”, comenta.