O Congresso chegou a um nível insuportável de descrédito. Em vez de legislar em prol da maioria, sempre privilegiou um pequeno grupo afeito à corrupção. Num país com tanto por se feito, não há mais espaço para essa política do atraso. É inaceitável que parlamentares eleitos para representar o povo sejam indiciados pela polícia por todo tipo de crime. Chegou-se ao cúmulo de termos deputados propondo leis durante o dia e passando a noite na cadeia. Tivemos de assistir, atônitos, pela tevê, a Operação Lava-Jato fazendo buscas e apreensão em gabinetes da Câmara e do Senado. Como ter o respeito da população? Como acreditar nesse sistema podre, nessa velha política?
Apesar de todo alento que as eleições do último domingo trouxeram, é preciso ficar muito atento. Teme-se que, por meio de caras novas, o Congresso não só mantenha as práticas nefastas que são históricas, mas, também, impulsione uma onda conservadora que pode pôr fim a avanços importantes. Projetos nesse sentido não faltam no Legislativo. Felizmente, nos últimos anos, todas as tentativas de retrocesso foram barradas pelo bom senso de minorias que gritaram muito alto. Contudo, em meio à onda radical que atormenta o país, qualquer descuido pode ser fatal.
Força da coalizão
É com esse novo Congresso que o futuro presidente da República terá de governar. Não à toa, economistas, empresários e investidores estão mapeando qual será o tamanho da força que o eleito em 28 de outubro terá para levar adiante projetos de extrema importância para tirar o Brasil do atoleiro. Nenhum dos dois candidatos escolhidos para o segundo turno demonstra ter maioria. O PT de Fernando Haddad e o PSL de Jair Bolsonaro terão as duas maiores bancadas da Câmara dos Deputados. Mas precisarão suar a camisa para montar uma coalizão consistente, dada à fragmentação das legendas.
A expectativa é de que o eleito consiga, ainda no primeiro ano, aprovar as duas principais reformas: a da Previdência Social e a tributária. Se conseguir, terá todas as condições para retomar o crescimento econômico, reverter o desemprego e reduzir as desigualdades sociais que só fazem aumentar. Os especialistas dizem, porém, que todas as mudanças terão de ser feitas ainda no primeiro ano, sob o risco de o descrédito minar a força que todos os governantes costumam ter em início de mandato. Exemplos para isso não faltam.
Pelos cenários traçados por Carlos Thadeu Filho, economista sênior do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se o futuro presidente conseguir reformar o regime previdenciário e o sistema tributário na primeira parte de seu mandato, poderá manter, tranquilamente, o teto que limita o aumento de gastos públicos até 2021. Será um desgaste a menos. Também não terá de se preocupar com a inflação e os juros, já que o teto dos gastos funciona como uma âncora para o Banco Central. Ao limitar o crescimento das despesas pela inflação do ano anterior, o teto indica ao BC que não há risco de deterioração fiscal.
Juros e inflação
Por mais apoio popular e do Congresso que o próximo presidente da República venha a ter, é certo que ele lidará com inflação e juros maiores. O tamanho do custo de vida e da taxa básica (Selic) dependerá, porém, das políticas que serão adotadas na economia. No cenário base projetado por Thadeu Filho, em que toda a base da atual política macroeconômica será mantida, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará em 4,6% e a Selic saltará dos atuais 6,5% para 8,5% ao ano. Nada que não seja controlável.
O importante, ressalta o economista, é que não se cometa erros, que o futuro presidente não embarque em aventuras. O mercado financeiro está acreditando que é mais seguro seguir com Jair Bolsonaro no comando do país, mesmo ele não tendo sido testado em nenhum cargo administrativo. Tanto que a Bolsa de Valores subiu mais de 4% ontem e o dólar cedeu para R$ 3,77. Apesar de rejeitado pelos donos do dinheiro, Fernando Haddad tem a plena consciência de que, com a inflação sob controle e os juros baixos, poderá retomar as políticas sociais executadas durante os governo de Lula, que engrossaram o mercado de consumo em quase 50 milhões de pessoas.
Diante de tantas expectativas, é importantíssimo que Bolsonaro e Haddad aproveitem as próximas três semanas para explicitarem o que pretendem fazer na economia. Até agora, nenhum dos dois teve a preocupação de mostrar aos eleitores os programas de governo para fazer o país crescer novamente, gerar empregos e distribuir renda. A renovação no Congresso é um sinal eloquente de que ninguém aguenta mais todas as mazelas que se arrastam desde 2014, quando o Brasil mergulhou na mais severa recessão da história.
Brasília, 06h33min