Correio Econômico: De volta ao Brasil das crises

Publicado em Economia

A Copa do Mundo acabou para o Brasil. A grande maioria da população está triste, mas vamos aproveitar a imensa decepção com o time de Tite para voltarmos mais forte à realidade, a fim de encarar todas as nossas crises — econômica, política, ética, de segurança — que, nas últimas duas semanas, foram relegadas a segundo plano. A verdade é que o país está podre. A corrupção continua correndo solta, a violência não economiza nas vítimas, o desemprego martiriza 13 milhões de pessoas, a economia definha e a inflação voltou a dar as caras. Pouca relevância se deu a esses temas enquanto a bola rolava na Rússia diante do sonho do hexa.

 

Nesta semana, a Polícia Federal executou mais uma etapa da Operação Registro Espúrio, que investiga a venda de autorizações para a criação de sindicatos dentro do Ministério do Trabalho. Helton Yomura, que ocupava o cargo de ministro, foi levado para depôr na sede da PF e o chefe de gabinete dele acabou atrás das grades. O PTB, que está na base de apoio do governo, transformou a Pasta num antro de corrupção. Em vez de atuar em favor da população, sobretudo dos desempregados, o Ministério do Trabalho optou por ser um balcão de negócios para favorecer um pequeno grupo de malfeitores.

 

É incrível que, mesmo com todas as prisões da Lava-Jato, mesmo com a indignação dos cidadãos que rechaçam a corrupção, a bandalheira com o dinheiro público se manteve ativa. Políticos, sindicalistas, empresários e servidores públicos continuaram dando a demonstração de que apostam na impunidade. Nada intimida as quadrilhas que se alojaram no Estado. E não bastassem os bandidos locais, descobriu-se que representantes de multinacionais, como a Philips e a General Eletric (GE), também resolveram sugar os cofres públicos por meio de licitações fraudulentas, sobretudo na área de saúde do Rio de Janeiro.

 

Quadro de arrepiar

 

Nesse mesmo Brasil, por causa da greve dos caminhoneiros, a produção industrial registrou um tombo de 10,9% em maio, a maior queda mensal desde 2008, quando o mundo entrou em parafuso por causa do estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos. A mesma paralisação dos transportadores de cargas levou a inflação de junho para 1,26%, a mais elevada para o mês em 23 anos. Por conta desse estrago na atividade econômica, parte relevante dos analistas prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre do ano foi negativo.

 

Agora, a grande discussão entre os agentes financeiros é sobre os rumos da taxa básica de juros (Selic), que está em 6,50% ao ano. Independentemente das perspectivas negativas para a produção e o consumo e do desemprego de quase 13%, é grande a possibilidade de o Banco Central ter que aumentar os juros: as chances de isso acontecer, segundo o mercado, são de 100%. Mas, como elevar a Selic nesse quadro de fragilidade econômica e de um mundo conturbado por causa da guerra comercial travada entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores potências do planeta?

 

Esse cenário dramático, como sempre, está longe de sensibilizar o Congresso e o Judiciário. Câmara e Senado praticamente enterraram medidas que poderiam dar um alento à situação preocupante das contas públicas, cujo deficit pode chegar a R$ 159 bilhões neste ano. As excelências estão mais preocupadas em garantir a reeleição nas próximas eleições do que em resolver os problemas do país. Em recesso, o Judiciário se movimenta a fim de manter privilégios e faz pesado lobby para garantir reajuste de 12% nos salários em 2019. Os que estão de plantão dão alento a corruptos que tentam sair da prisão.

 

Dois pés no atraso

 

Será de bom tom, portanto, que, depois da ressaca com a desclassificação do Brasil da Copa, o país caia na real. Estamos a menos de três meses das eleições. O quadro está totalmente indefinido e é grande o risco de caminharmos para um governo extremamente conservador, no qual direitos conquistados a duras penas poderão ser limados. É preciso ampliarmos os debates, colocar na roda das conversas os temas realmente importantes para tirarmos os dois pés do atraso. No atual estágio a que chegamos, não há espaço para superficialismos, muito menos populismo.

 

Na questão econômica, os candidatos ao Palácio do Planalto terão de apresentar propostas para a reforma da Previdência. Não há como se falar em redução do deficit público, em controle da inflação e em juros baixos sem mexer no atual sistema previdenciário. Também será importante dizer quais medidas serão adotadas para a retomada do crescimento, a redução do desemprego, a diminuição das desigualdades sociais, o recuo da violência e a melhoria da educação e da saúde. Já nos cansamos de promessas vazias e de fake news. A hora é da verdade.

 

Se for necessário, que tomemos as ruas de forma ordenada e passiva. O governo atual só cumprirá tabela até a posse do próximo presidente. Sendo assim, antes dos resultados das urnas em outubro próximo, vamos cobrar de todos os que se apresentam como candidatos o que eles realmente pensam sobre o país, sobre como podem contribuir para virar o jogo e extirpar males como a corrupção e o descaso com o dinheiro público. Uma coisa é certa: se não cumprir o que prometeu, o risco de o futuro presidente ser defenestrado do poder será grande. Para evitar mais esse trauma, nos resta fazer uma boa escolha.

 

Brasília, 06h08min