Correio Econômico: Crise deixará sequelas na inflação e no crescimento

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A fatura deixada pela greve dos caminhoneiros será enorme. Quem pensa que, quando houver o desbloqueio das estradas, a situação voltará rapidamente ao normal, deve se preparar para vários dias de restrições. A paralisação do transporte de cargas nos últimos cinco dias deixou sequelas pesadas. Uma delas, a alta de preços. A maioria dos empresários não voltará a praticar as tabelas vigentes antes da crise que resultou em desabastecimento. Muitos vão aproveitar o caos para garantir margens de lucro maiores.

 

A perspectiva é de que, em junho, a inflação seja, no mínimo, três vezes superior à média mensal observada em 2018. Isso significa uma taxa entre 0,7% e 0,8%. É possível que fique acima disso, dependendo da nova realidade de preços na economia a partir da normalização do abastecimento. Em junho de 2017, houve deflação de 0,23%. Isso quer dizer que, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses for divulgado, a taxa acumulada, que está abaixo de 3%, o piso da meta, ficará mais próximo de 4%.

 

A tendência, acredita Carlos Thadeu Filho, economista sênior do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), é de que a inflação só volte a ficar em um patamar mais confortável depois de setembro. Ele ressalta que, além dos impactos da greve dos caminhoneiros nos preços dos alimentos, sobretudo nos das carnes, devido à paralisação dos frigoríficos, o próximo mês, especificamente, será marcado por um tarifaço. Combustíveis e energia elétrica ficarão mais caros. “Junho será bastante complicado para a inflação. Teremos três meses em um”, diz.

 

A situação só não ficará mais difícil porque os preços dos serviços, que são muito resistentes, estão em queda. Não bastasse a demanda reprimida, o mercado de trabalho está muito fraco, jogando os salários para baixo. Isso diminui o custo dos prestadores de serviços. É isso, no entender de Thadeu Filho, que vai segurar a inflação deste ano e de 2019. Nesse contexto, não haverá necessidade de o Banco Central elevar a taxa básica de juros (Selic). Um aperto monetário nos próximos meses enterraria qualquer possibilidade de retomada da economia.

 

Queda do PIB

 

A alta da inflação já está no radar do governo. A equipe econômica, porém, não prevê um grande salto no IPCA. A perspectiva é de que, tão logo o abastecimento de postos e supermercados volte ao normal, os reajustes dos últimos dias sejam revertidos. O discurso é de que, em um ambiente de economia tão fragilizada, indústria e varejo não abusem dos consumidores sob pena de verem os estoques de mercadorias encalharem. “O que vimos nos últimos cinco dias foi um quadro atípico, de extremos. Corrigidos os abusos, a inflação voltará a ficar comportada”, diz um técnico.

 

Ele reconhece, porém, que o governo teve muita culpa para que o país mergulhasse no caos, com sérios prejuízos para a economia. O Palácio do Planalto subestimou o movimento dos caminhoneiros. E demorou para tomar medidas mais enérgicas. “Chegamos ao limite. É inaceitável que centenas de cidades fiquem sem combustíveis e que supermercados exibam prateleiras vazias. Essas imagens nos remetem aos momentos mais críticos do período de hiperinflação”, acrescenta. Foi preciso que se chegasse a esse ponto para que o presidente Michel Temer enfrentasse, com rigor, o bloqueio de estradas.

 

A equipe econômica está tentando mapear todas as perdas. Os mais pessimistas já falam em queda do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre do ano, o que será uma derrota para o discurso de Temer e de seu candidato à Presidência da República, o ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Os dois fazem questão de dizer que conseguiram tirar a economia da mais grave recessão da história, provocada por Dilma Rousseff. Depois dos estragos feitos pela greve dos caminhoneiros, terão que explicar números cada vez mais ruins. O Brasil, sem dúvida, voltou a caminhar à beira do abismo.

 

Brasília, 06h30