Até mesmo a credibilidade do presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, foi colocada à prova. Após sinalizar que reduzirá a taxa básica de juros (Selic), mesmo com a alta do dólar, alguns analistas o chamaram de irresponsável. O chefe do BC disse claramente que analisa o desempenho do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), as expectativas de inflação e o nível de atividade para decidir se diminuirá ou não a Selic. Goldfajn ainda alertou, na última fala pública antes do período de silêncio, que os repasses para os preços oriundos de uma valorização cambial não são tão dinâmicos como se imagina.
Mas bastaram os dados de inflação no Brasil e nos Estados Unidos apontarem que os preços continuam comportados para a histeria se transformar em valorização de ativos. Na maior economia do mundo, o índice de inflação apurado pelo Departamento de Trabalho teve variação positiva de 0,2% em abril, abaixo das expectativas dos analistas, que apontavam 0,30%. No Brasil, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,22%, abaixo da mediana das expectativas, que chegava a 0,28%. Com o resultado, a inflação acumulada no ano chegou a 0,92%, o menor patamar para o período desde o início do Plano Real.
Os dados reforçaram a percepção de que o BC vai cortar a Selic em 0,25 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) marcada para 15 e 16 de maio. Além disso, acalmaram os mais nervosos, que esperavam mais juros nos Estados Unidos.
O resultado se traduziu em alta da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) de 1,89%, aos 85.861 pontos, e em queda do dólar de 1,31%, negociado a R$ 3,547. Na prática, o mercado caiu na real e percebeu que, mesmo com as tensões geopolíticas que têm pressionado o preço do petróleo, o ambiente internacional ainda é benigno para a economia. Riscos, é claro, existem. Entre eles, uma possível escalada das tensões entre Estados Unidos e Irã, que teria reflexo sobre o valor da commodity e do dólar.
Cuidados
A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, ressalta que o ambiente externo ainda é favorável ao Brasil e às economias emergentes. Ela explica que o cenário inflacionário global segue bem-comportado e é afetado diretamente pelo ciclo mundial do comércio, de crescimento econômico e de preço de commodities. “Mesmo os Estados Unidos, que estão em um ciclo econômico mais acelerado, com taxa de desemprego baixa, mantêm dados inflacionários ainda favoráveis. A transmissão do nível de atividade econômica para os preços não parece tão rápida quanto todos imaginavam”, destaca.
Apesar disso, Zeina comenta que os ruídos externos que têm afetado o preço do petróleo precisam ser acompanhados de perto. Segundo ela, é comum que a variação do preço do produto impulsione o custo de outras commodities, mas mesmo esse cenário não está claro. “Ainda é cedo para afirmar que temos um problema inflacionário em nível global. No Brasil, as eleições já contaminam os preços dos ativos. Percebemos isso de maneira mais clara no câmbio, mas, recentemente, a volatilidade esteve atrelada a fatores externos. Não significa que o valor da moeda vá comprometer a recuperação da economia. Não é esse o caso”, diz.
Por ora, a tendência é de trégua na volatilidade cambial e nas bolsas de valores. Somente uma escalada nas tensões globais e dados consistentes que sinalizem piora do ambiente externo teriam impactos negativos no Brasil. Com o passar do tempo, fica claro que as eleições de outubro tendem a dominar o debate e a influenciar os mercados. Ajustar as contas públicas para que o país volte a ser uma economia atrativa ainda é o principal desafio para a retomada do crescimento sustentável. Nada mudou no Brasil.