Contabilidade criativa entra em campo para fechar o Orçamento de 2023

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ROSANA HESSEL

A equipe econômica parece ter mergulhado de cabeça nos meandros da contabilidade criativa, digna dos tempos do ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin – que ganhou notoriedade com as famosas “pedaladas fiscais” que derrubaram a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do cargo em 2016 –, no esforço sem tamanho para apresentar um Orçamento de 2023 com superavit primário — economia para o pagamento dos juros da dívida pública.

Os técnicos liderados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, correm contra o tempo para fechar as contas para a peça orçamentária do ano que vem, e, mesmo aumentando o teto de gastos, eles ainda não conseguem fechar os números no azul.  No Orçamento deste ano, as pedaladas institucionalizadas pela PEC dos Precatórios — que deu um calote cerca de R$ 45 bilhões de dívidas judiciais que deveriam ser pagas neste ano para abrir espaço para a gastos como o orçamento secreto, criado pela jabuticaba das emendas do relator e para criar o Auxílio Brasil — substituto do Bolsa Família — de R$ 400. Mas, mesmo com as artimanhas contábeis que esticaram o teto de gastos em cerca de R$ 100 bilhões neste ano, no relatório de avaliação de despesas bimestrais do 3º bimestre, o rombo previsto era de R$ 65 bilhões, abaixo da meta folgada prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que permite um rombo de até de R$ 170,5 bilhões no Orçamento deste ano.

Agora, para o Orçamento do ano que vem, o esforço contábil será maior ainda, especialmente se os técnicos considerarem as promessas do presidente Jair Bolsonaro (PL), como a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil – substituto do Bolsa Família –  em 2023, além de e a prorrogação da alíquota zerada de tributos federais sobre os combustíveis, conta não fecha, definitivamente, no ano que vem. Medidas eleitoreiras criadas com o pacote de R$ 41,2 bilhões da PEC Kamikaze ou Eleitoreira — criando um estado emergência inexistente para a burla da lei eleitoral — só complicaram o quadro fiscal do ano que vem, pois tudo indica que essas despesas devem dobrar em 2023 já que Bolsonaro tem sinalizado que quer manter para se reeleger.

Rombo de R$ 65 bilhões

De acordo com fontes da equipe econômica, o rombo previsto para 2023 está em R$ 65 bilhões — mesmo sem contabilizar o auxílio de R$ 600 e esse deverá ser a previsão para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) que será enviado ao Congresso.

Por enquanto, os cálculos consideram o valor anterior do benefício, de R$ 400, e tudo indica que esse valor deverá ser mantido no PLOA. Pelas estimativas da equipe econômica, o custo da manutenção desse novo valor do benefício em 2023 deverá girar em torno de R$ 60 bilhões.

Outra promessa de Bolsonaro, o reajuste do funcionalismo em 2023, ainda não está definido, mas o valor inicialmente destinado para isso, de R$ 11,7 bilhões, não é suficiente para cobrir os R$ 12,6 bilhões necessários para um aumento linear de 5% para os servidores, conforme estimativas da própria equipe econômica. Um parcelamento de reajuste também é cogitado, de acordo com analistas.

No programa de campanha de Bolsonaro, o governo incluiu a promessa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até cinco salários mínimos (R$ 6.060, considerando o valor atual do piso, de R$ 1.212), que também não tem espaço no Orçamento. Segundo Bolsonaro, uma medida nesse sentido já estaria alinhada com o Ministério da Economia para 2023, ainda que a proposta orçamentária não abranja o ponto. Contudo, essa fatura poderá chegar em R$ 55 bilhões, de acordo com estimativas preliminares de analistas do mercado, caso o presidente implemente essa medida.

Prazo acabando

O PLOA de 2023 precisa ser enviado ao Congresso até o dia 31 deste mês.  Logo, o malabarismo com os números não deve parar até esse prazo acabar, e, com certeza, a contabilidade criativa entrará em campo.

Fontes da Esplanada não conseguem explicar o vazamento de uma notícia positiva (para o governo) “de que haverá um pequeno superavit primário na previsão do PLOA de 2023”. Essa informação, inclusive, pegou alguns técnicos da equipe econômica de surpresa. Eles não sabem se será possível fechar as contas públicas no azul diante do aumento de medidas populistas para garantir a reeleição do presidente nas eleições deste ano e que vão estourar no ano que vem.

Questionada se essa previsão de superavit no PLOA de 2023 era verdadeira, a assessoria do Ministério da Economia, apenas informou que os números e o detalhamento da peça orçamentária serão apresentados no dia 31. “Antes disso, o Ministério da Economia não irá comentar”, avisou.

Em entrevista recente ao Correio, a economista Elena Landau, coordenadora da campanha da senadora Simone Tebet (MDB), disse que essas bombas fiscais oriundas de medidas eleitoreiras do governo já somam cerca de R$ 200 bilhões, ou seja, 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para o ano que vem.

Vale lembrar que a mediana das projeções do mercado do boletim Focus, do Banco Central, o PIB do ano que vem deverá crescer menos do que neste ano: 0,39%. Ou seja, a economia está desacelerando em relação às projeções otimistas deste ano, que variam entre 2% e 3%. PIB menor significa menos arrecadação, sem contar que, o governo não terá a ajuda da inflação — que aumenta os preços dos produtos tributados — para registrar novos recordes no recolhimento de impostos neste ano. Aliás, receitas extraordinárias como dividendos polpudos das estatais neste ano estão salvando a lavoura do governo, garantindo queda do deficit primário ao longo de 2022.

Logo, se o projeto for enviado ao Legislativo com essa previsão, é que o país terá mais um Orçamento inexequível e uma mera peça de ficção, que precisará de vários contingenciamentos, de acordo com especialistas.  Não à toa, a questão fiscal será um dos maiores desafios do próximo governo, seja ele qual for.

Vicente Nunes