O consumo das famílias se transformou na grande alavanca do Produto Interno Bruto (PIB) desde que Lula chegou ao poder em janeiro de 2003. Não houve economia por parte do Palácio do Planalto na adoção de medidas que incentivassem a demanda. O endividamento dos lares virou regra e o Tesouro Nacional foi obrigado a arcar com subsídios bilionários que destruíram as contas públicas.
Mesmo com esse modelo esgotado ao fim da era Lula, em 2010, a presidente Dilma Rousseff manteve firme os estímulos ao consumo. Ultrapassou todos os limites da responsabilidade acreditando que impulsionaria o PIB e poderia tirar benefícios eleitorais que lhe garantiriam mais um mandato. Conseguiu se reeleger, apesar da pequena margem de votos. Contudo, destruiu a capacidade das famílias de consumirem, sobretudo ao brincar com a inflação.
O estrago foi tamanho, que o consumo das famílias registrou, no segundo trimestre do ano, queda de 1,5%, segundo cálculos do economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn. Foi o segundo tombo consecutivo, sinalizando que o indicador fechará 2015 com retração — a primeira em 12 anos. Pior, avisa o especialista, quando o país voltar a crescer, a demanda das famílias será a última a reagir.
Por um longo período, os lares sentirão o peso da perversa combinação de inflação alta, queda na renda, elevado nível de endividamento e desemprego. “Em algum momento, a recuperação virá. Mas levará tempo”, avisa Goldfjan. Não por acaso, a confiança dos consumidores está no chão. Quando olham para a frente, só veem piora nas condições de compra.
Esse quadro devastador foi constatado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), por meio do índice que mede a intenção de compra das famílias. O indicador registrou, em agosto, o sétimo mês consecutivo de queda, cravando o nível mais baixo da série histórica: 81,8 pontos. Esse recuo decorre, principalmente, do desemprego, que substituiu a inflação como item que mais afeta a confiança dos consumidores.
Ainda que deixe de figurar no topo das preocupações dos brasileiros, a inflação não perdoa. Nos 12 meses terminados em julho, os salários registraram perda real média de 4,9%. Enquanto os reajustes ficaram em 4,4%, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas do governo, atingiu 9,3%.
A perspectiva é de que a massa salarial acumule queda real de 6,7% entre 2015 e 2016, o que representará cerca de R$ 130 bilhões a menos no orçamento das famílias. Já antevendo esse período de sufoco, muitos consumidores estão cortando tudo o que podem da lista de despesas. O plano de saúde está sendo substituído pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A escola particular foi cancelada e os filhos, matriculados em estabelecimentos públicos. Cursos de língua ficaram pela metade.
Terror e pânico
O medo das famílias com o desemprego é mais do que justificável, ressalta o economista Felipe Salles, do Itaú Unibanco. Somente em julho, pelas contas dele, foram fechadas 127 mil vagas formais de trabalho. A se confirmar esse número, em sete meses deste ano terão sido destruídos quase 500 mil postos com carteira assinada, um baque a mais para a economia. Não é só: quase 90% das pessoas que perderam o emprego dizem que estão com maior dificuldade para voltar ao mercado.
O problema, ressalta Salles, é que o futuro prevê mais notícias ruins. As empresas estão desligando unidades de produção porque os estoques estão excessivos. Acreditava-se que, com esse movimento, o encalhe de mercadorias diminuísse, mas o que se vê é mais produtos lotando os galpões, impondo custos extras às companhias. “As pesquisas mostram que 17% das empresas dizem estar com estoques além do desejado. O ideal seria que esse índice fosse zero”, destaca.
O legado de Dilma para as famílias, portanto, é devastador. E explica o porquê de a popularidade da petista estar em apenas 7%, nível sem precedentes entre os presidentes que estiveram no poder nos últimos 25 anos. Como a situação para os consumidores só vai piorar, é difícil imaginar que Dilma conseguirá ter paz buscando um acordão com o presidente do Senado, Renan Calheiros, para sobreviver. Ele será o primeiro a lhe virar as costas quando as ruas se encherem de trabalhadores que já não conseguem mais abastecer a despensa de casa e pagar as dívidas que assumiram acreditando na promessa de um país melhor.
Inflação sai de férias
» Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco, diz que a inflação “saiu de férias” em agosto e em setembro, o que dará um alívio e tanto ao Banco Central. Ele prevê alta de 0,27% e 0,43% para o IPCA, respectivamente, devido a reajustes menores dos alimentos e ao alívio das tarifas públicas.
Destino dos juros
» O mercado financeiro, no entanto, não jogou por completo a toalha sobre a possibilidade de o Banco Central elevar mais uma vez a taxa básica de juros (Selic) no mês que vem, dos atuais 14,25% para 14,50% ao ano. “Eu, particularmente, acredito em manutenção da Selic”, afirma Goldfajn.
Brasília, 00h01min