Até 17 de maio, antes das delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, as perspectivas para os comércio eram bastante positivas. Depois de enfrentar três anos seguidos de retração, o mais longo período da história, indicadores importantes mostravam que, enfim, o varejo começava a recuperar musculatura para sair do atoleiro. Na frieza dos números, eram visíveis os sinais de retomada da confiança de empresários e de consumidores.
A perspectiva era tão positiva que os lojistas começaram a reforçar os estoques, na expectativa de aumento das vendas, sobretudo no segundo semestre do ano. Não por acaso, o Índice de Investimentos em Estoques, apurado pela Confederação Nacional do Comércio(CNC), avançou 2,8% em maio ante o mesmo período do ano passado. Foi a segunda alta anual consecutiva. Na comparação com abril, o aumento chegou a 1%.
Desde 17 de maio, porém, um clima de suspense pairou sobre o comércio. “Já não temos hoje mais a certeza da recuperação. Dependendo da duração da crise política, a retomada da economia e das vendas do varejo, que estava contratada, será adiada, e não se sabe por quanto tempo”, diz a economista Izis Ferreira, da CNC. Ela afirma que o maior aumento na intenção de reforçar as prateleiras estava no ramo de bens duráveis, isto é, eletrônicos, eletrodomésticos e móveis, com alta de 4,6% em maio frente ao mês anterior.
Izis acredita que é possível manter a recuperação, mas é preciso que o quadro político fique mais claro, com a permanência ou não de Michel Temer no poder. “Precisamos chegar a um denominador comum, isso exige um esforço generalizado”, destaca. Para a economista, o país não pode perder o rumo. “Vínhamos caminhando bem. O índice que mede os investimentos em estoques do varejo cresceu por dois meses seguidos pela primeira vez desde o segundo semestre de 2014, quando a economia mergulhou na recessão”, acrescenta.
Juros e inflação
Os próximos indicadores serão importantes para medir o real impacto das delações dos irmãos Batista sobre o varejo. Na avaliação de Izis, há argumentos bons para manter o otimismo. Ainda que lentamente, o crédito está ficando mais barato, o que é vital para o comércio. Pelos cálculos do Banco Central, a taxa média de juros cobrada dos consumidores recuou de 72,7%, em maço, para 68,1% ao ano, no mês seguinte. Essa queda está atrelada à redução da taxa básica da economia (Selic), que vem cedendo desde outubro do ano passado. É possível que, na próxima semana, o Comitê de Política Monetária volte a cortar a Selic entre um e 1,25 ponto percentual, dos atuais 11,25% para até 10% ao ano.
Além disso, lembra a economista da CNC, a inflação está no menor nível desde 2009, aliviando o orçamento das famílias. Em 12 meses, até maio, o IPCA-15, prévia da taxa oficial, cravou alta de 3,77%. O custo de vida menor acaba minimizando os estragos no mercado de trabalho. O Brasil registra 14,2 milhões de desempregados. Se, nas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), forem incluídos os subempregados, estamos falando de mais de 26 milhões de pessoas incapacitadas para o consumo.
Do ponto de vista dos investimentos feitos pelos lojistas, os juros menores também têm papel preponderante: barateiam o financiamento de estoques. Por isso, mais comerciantes estão reforçando as prateleiras apostando, que mais à frente, as vendas vão aumentar. “É por isso que a crise política não pode se prolongar”, alerta Izis. O empresariado precisa continuar acreditando que o ciclo de recuperação da economia não será abortado.
A economista da CNC assinala ainda que, mesmo com toda a melhora dos últimos dois meses, os estoques do comércio estão longe do ideal. Os lojistas sofreram demais com a recessão. Com a brutal queda das vendas, tiveram um gasto pesado para financiar as mercadorias encalhadas. Por isso, o ajuste levou tempo. Felizmente, o pior ficou para trás. “Apesar da volta da incerteza, mantemos a previsão de crescimento do varejo de 1,5% em 2017, depois de três anos seguidos de forte queda”, diz. A torcida é grande.
Brasília, 06h30min