» DIEGO AMORIM
De que adianta um ar-condicionado, se ele não puder amenizar o calor nos dias mais quentes? E para que serve um chuveiro elétrico desligado ou um forno micro-ondas novinho em folha fora da tomada? Os brasileiros estão frustrados. E não é pra menos. Embaladas pela expansão do crédito e pelo estímulo ao consumo, as famílias se endividaram, nos últimos anos, comprando eletrodomésticos e eletroeletrônicos em parcelamentos a perder de vista. Agora, com a crise energética batendo à porta para cobrar a fatura, se veem obrigadas a economizar nos detalhes, anulando as recentes conquistas.
Sem saída, a não ser fazer de tudo para pagar a conta de luz em dia, os mais pobres são os mais prejudicados. Na casa da comerciante Nalva Oliveira, 37 anos, moram 10 pessoas. O reajuste da energia fez as despesas da grande família saltarem de R$ 100 para R$ 120 na virada do ano. Para tentar levar a fatura de volta ao preço anterior, mesmo com o aumento, ela tem puxado a orelha de quem ainda ousa dormir com a televisão ligada. A cunhada dela resolveu vender o aparelho de 60 polegadas que nem tinha terminado de pagar — ficou com a impressão de que estava gastando demais.
Nalva fez filhos e sobrinhos se sacrificarem no calor deste verão. A ordem era ligar o ventilador apenas em caso de extrema necessidade. Fora isso, todos estavam autorizados a curtir os dias de férias na rua, onde, mesmo sob o sol forte, o clima era mais agradável. “Ainda bem que não temos chuveiro elétrico aqui. Imagina? Não daria conta de pagar, não”, comenta ela, que tem dificuldade de aceitar o novo valor da energia. “Subiu demais e vai subir mais”, lamenta. Em setembro do ano passado, recorda, ela pagou menos de R$ 90 para a Companhia Energética de Brasília (CEB).
Na residência de Regilene da Silva Sousa, 29, filha de servidores públicos, o micro-ondas não fica mais ligado na tomada o dia inteiro — somente nos momentos em que vai ser, de fato, utilizado. A sobrinha de 13 anos agora tem tempo limite para ficar embaixo do chuveiro elétrico: acabou a era dos banhos de quase uma hora. O pai aposentou a máquina comprada para lavar o carro. Preocupado também com o racionamento de água, decidiu voltar a limpar a caranga aos fins de semana usando a mangueira. Até o radinho de pilha ganhou, de novo, lugar na cozinha. “Estamos fazendo o possível para economizar energia, mas, sinceramente, não sabemos onde vai parar essa história toda de aumentos. Está todo mundo assustado”, desabafa Regilene, professora em uma escola particular.
Ressaca
Em dezembro de 2008, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou em cadeia nacional de rádio e tevê: “Você, meu amigo e minha amiga, não tenha medo de consumir com responsabilidade. Se tem um dinheirinho no bolso e está querendo comprar uma geladeira, um fogão ou trocar de carro, não frustre seu sonho”. Não foi a primeira nem a última vez que Lula discursou nesse sentido. A sucessora, Dilma Rousseff, manteve o tom. Ao longo de 2011, seu primeiro ano de mandato, ela pediu em pelo menos duas ocasiões que a população não tivesse medo de consumir.
O pedreiro Natanel Alves dos Santos, 27 anos, morador do Sol Nascente — a maior favela da América Latina —, obedeceu ao chamado do governo e entrou de cabeça nos financiamentos. Comprou uma tevê “daquelas de tubo, porque a outra era muito cara”, que hoje em dia passa a maior parte do tempo desligada. Com medo de gastar energia, ele até tira o aparelho da tomada. A geladeira, adquirida no impulso, teve de ser vendida, conta ele, para pagar as contas de luz no fim do ano passado. “Sorte que ganhamos outra (geladeira) de uma vizinha”, comemora.
Em janeiro, a fatura de eletricidade chegou à casa de Natanel: R$ 60, valor 22% maior do que os R$ 49 que pagou em dezembro. Isso porque há cinco meses o chuveiro elétrico do único banheiro da residência foi desligado. “Está todo mundo tomando banho gelado. Enquanto faz calor, tudo bem. Mas quando começar a esfriar, vai ser um tormento”, prevê o pedreiro. O chuveiro só é acionado quando o filho de 6 anos reclama da água gelada. “Ainda tenho um liquidificador aqui, mas ele fica só de enfeite, porque a gente está evitando usar também”, completa.
O aposentado Antônio das Graças, 65, se assustou tanto com o aumento da energia que radicalizou: decidiu que apenas o filho bombeiro poderia usar o ferro, para não chegar amarrotado ao quartel. De resto, a família tem sido menos rigorosa com as roupas bem passadas. “Quando alguém começa a demorar no chuveiro, já digo logo: ‘Vamos, vamos, que isso aí não é cobertor’”, relata. Os eletrodomésticos da cozinha estão sendo usados com parcimônia. “A gente tem que fazer a nossa parte, sem esperar que o governo faça a dele”, resume o aposentado, que vive em uma casa com mais cinco pessoas. “Já estou trocando as lâmpadas pelas de LED, que economizam mais”, avisa.
Brasília, 00h01min