O presidente Michel Temer abriu um precedente perigosíssimo que pode colocar em risco a credibilidade da política econômica, o único pilar do governo que ainda se mantém de pé. Ao incluir políticos nas discussões sobre mudanças nas metas fiscais, transformou um assunto extremamente técnico em uma moeda de troca, sobretudo por parte do Centrão, grupo que reúne as legendas mais fisiológicas do Congresso. Para os políticos, quanto maior for o rombo nas contas públicas neste ano e em 2018, mais fácil ficará para acomodar as demandas das bancadas.
Temer politizou o debate das metas fiscais de olho em mais uma denúncia contra ele que virá da Procuradoria-Geral da República. Como sua base de apoio no Legislativo diminuiu muito, ficou refém do Centrão, que defende deficit de até R$ 170 bilhões para este ano e para 2018. A equipe econômica, contudo, resiste. Na avaliação dos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, qualquer número superior a R$ 159 bilhões significará uma derrota do discurso da austeridade fiscal. Em relação ao que já está colocado hoje, R$ 159 bilhões representarão aumento de R$ 20 bilhões no rombo previsto para este ano (R$ 139 bilhões) e incremento de R$ 30 bilhões no buraco estimado para 2018 (R$ 129 bilhões).
Técnicos da equipe econômica dizem que o presidente só deveria ter aberto o diálogo com os políticos sobre as metas depois que tudo estivesse acertado com a área técnica. A partir daí, Temer negociaria o apoio para a aprovação das mudanças nos rombos no Congresso. Era com esse raciocínio que Meirelles e Dyogo estavam trabalhando. Por isso, a intenção de anunciar as novas metas na sexta-feira passada. Mas, ao chamar políticos para apresentar os números um dia antes de torná-los públicos, o presidente tirou todo o caráter técnico da decisão. Os políticos passaram a ditar os rumos de debate e a dar declarações públicas desautorizando o governo a elevar qualquer imposto para fechar as contas.
“Virou uma bagunça”, diz um integrante da equipe econômica. Ele ressalta que, a cada adiamento do anúncio das novas metas, o governo só aumenta a especulação e a desconfiança dos investidores. “Todo mundo sabe que a situação das contas públicas é dramática. Mesmo com o aumento dos impostos sobre combustíveis, a fatura não fechou. Estamos trabalhando dia e noite para encontrar receitas e gastos que podem ser cortados. Agora, politizar um tema que deveria ser técnico é um perigo enorme. Na nossa opinião, tanto o deficit deste ano quanto o de 2018 não devem ser maiores do que os R$ 159 bilhões de 2016. É questão de bom senso”, acrescenta.
Falsas promessas
A expectativa da equipe econômica é de que as novas metas fiscais e o pacote que reduzirá gastos com servidores sejam anunciados ainda hoje, depois de dois adiamentos seguidos. A orientação do Palácio do Planalto é para tirar qualquer conotação política em relação às medidas. Não foi por acaso, portanto, que o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, usou as redes sociais para assegurar que, em nenhum momento, discutiu-se a possibilidade de o deficit público saltar para R$ 170 bilhões. Mas não convenceu, já que ele é um dos principais defensores de um rombo maior.
Uma coisa é certa: toda essa confusão explicita o quanto o governo está fragilizado. Temer está nas mãos de partidos que não têm nenhum compromisso com o país, querem apenas tirar proveito da máquina pública. Há projetos importantes que estão no Congresso que, se votados, dariam uma ajuda importante à equipe econômica para fechar as contas. Mas legendas como o PP e o PR querem tirar o máximo do presidente, pois sabem que, hoje, dificilmente ele conseguiria se livrar de uma nova denúncia da Procuradoria-Geral da República sem o fisiológico Centrão.
“A nossa parte está sendo feita. Diante da resistência política em relação a aumento de impostos, buscamos todo tipo de receita. Estamos propondo, inclusive, a venda de aeroportos como os de Congonhas e Santos Dumont. Se isso será aceito, é outra coisa”, afirma um ministro mais alinhado com a austeridade fiscal. Para ele, é importante que o Planalto deixe claro a todos os partidos que apoiam o governo que se chegou ao limite. “Precisamos ser coerentes no nosso discurso. Vamos, sim, ter deficits maiores neste ano e no próximo, mas temos que mostrar que o compromisso com o equilíbrio das contas públicas é para valer. O tempo de falsas promessas ficou para trás”, acrescenta.