POR ANTÔNIO MACHADO
Com o Judiciário e o Congresso mal chegando das férias, que foram mantidas apesar de o país descabelar-se enquanto aguarda o desfecho do julgamento de Dilma Rousseff e as penalidades da Lava Jato, os governantes já estão prontos para voltarem a divagar, distraídos. Inflação? Desemprego? Recessão? Crise fiscal? Qual o quê! Brasília se
prepara para outra sesta política, agora pelas Olimpíadas, de 5 a 21 de
agosto, emendada sem intervalo com o início da campanha das eleições municipais em 2 de outubro, levando os políticos a seguir laborando a meio pau. E até o fim do mês onde houver segundo turno.
Valerá a pena? “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, entoou Fernando Pessoa ao exaltar a epopeia marítima dos portugueses. Aqui não há nada épico na alma dos políticos. Como Dilma admitiu, ao por de lado, por instantes, a ladainha do golpe num evento dias atrás: “Uma das constatações que temos que fazer é que algo não deu certo, tanto é que eles estão lá, e nós, aqui”. O que diria Michel Temer?
Poeta bissexto, o presidente interino recitou numa poesia de 2012,
premonitória: “Embarquei na tua nau sem rumo. Eu e tu. Tu, porque não sabias para onde querias ir. Eu, porque já tomei muitos rumos, sem chegar a lugar nenhum”. Espera-se que ele já tenha o rumo. Nos atos da interinidade, a cartografia é clara. Mas navegar é preciso. Para onde? Essa é a questão.
Dilma e o PT fluíram pelas águas do dirigismo dos negócios privados, que historicamente termina mal, e do assistencialismo sem perspectiva da autonomia do emprego. Para Henrique Meirelles, o ministro da Fazenda recrutado por Temer para desencalhar a economia, a saída é salomônica: nem muita intervenção estatal nem muito subsídio social. O problema é a tripulação.
O diário de bordo das viagens políticas no Brasil começa e termina conforme o gosto da tripulação, mesmo quando a intenção seja outra. É o que fez Temer, ao aumentar o salário da elite do funcionalismo e do Judiciário, enquanto o desemprego grassa e a inflação aleija, a pretexto de honrar acordos fechados por Dilma. Mas, de fato, para aquietar as corporações diante da proposta de limitar por 20 anos o aumento do gasto público à inflação do ano anterior. Temer é assim.
A virtude nas concessões
O presidente curvou-se ao funcionalismo, cujo salário médio mensal já era de R$ 7.941 em 2015, contra R$ 1.790 do trabalhador do setor privado, para prevenir protestos das corporações, a maioria ligada ao PT, embaçando o seu interinato na Esplanada dos Ministérios. Tais concessões, que objetivamente sugerem fraqueza, para ele são virtudes.
A ordem no governo, por exemplo, é pacificar os aliados contrariados com a eleição do deputado Rodrigo Maia (Dem-RJ) para dirigir a Câmara. A tese é que a base unida apoiará as reformas. Mas a que custo? Os partidos da boquinha e senadores que ainda se declaram
“indecisos” com o impeachment querem nacos do governo. Não se avexam depois da corrupção política apurada pela Lava Jato. E já se ouvem entidades empresariais pedindo refis e subsídios. Não dá.
O endosso ao bota-fora
A realidade está com Temer, como dizem os cenários da economia. No boletim do Banco Central que resume as projeções de mercado, o PIB no quinquênio 2016-20 ganhou 2,4 pontos percentuais de aumento, nas contas do economista Fernando Montero, com viés de alta, e isso não só devido à recuperação cíclica. É endosso ao bota-fora de Dilma.
Ele não pode dissipar essa virada, que por ora revela mais alívio dos
mercados e do empresariado com o ocaso do PT que apoio ao novo governo. O que o viabiliza é um programa não só de redução do gasto público, mas de reforço ao crescimento. Isso será função de medidas que promovam a eficiência do governo e liberem os investimentos, em especial de origem privada, e como subsidiários os de fonte fiscal.
Meirelles deve evitar a obsessão do ex-ministro Joaquim Levy, que se dedicou demais ao ajuste fiscal, e Temer, tentar compor a agenda de reformas com demandas populistas – ambas são incompatíveis.
Compondo circunstâncias
Político tarimbado, ele deve saber que boa providência é alocar na Casa Civil, o pulso político do governo, um programa de reforma das funções e sistemas do Estado, de sua governança, em resumo, de modo a evitar ruídos na execução e descompassos entre os ministérios.
De Meirelles se espera total atenção à pulsação do mercado interno de onde sai quase 100% da arrecadação tributária, já que exportação é praticamente isenta. A crise fiscal veio do colapso entre consumo e investimento, chamados de absorção interna, que desabou 13 pontos percentuais do PIB nos últimos dois anos, segundo Fernando Montero. Mas tudo isso a equipe econômica pilotada por Meirelles sabe muito bem. O papel de Temer é concilia-la às suas circunstâncias e manter os políticos a meia distância. Indo por aí a sua poesia terá rumo.
Um governo para servir
Mais difícil a um governo acionado constitucionalmente a cumprir o resto de um mandato faltando pouco mais da metade se Dilma sair até setembro é tentar ajustar além do que lhe será possível. Por ordem nas contas públicas é a obrigação maior, assim como sua relação com a política monetária, permitindo desinflar o custo do dinheiro.
Tão importante quanto para alinhar a inflação aos níveis vistos no mundo é completar a desindexação dos contratos. Ela não pode ser um obstáculo à desinflação. Uma solução seria fixar a indexação à meta oficial de inflação e só para contratos com mínimo de três anos. O orçamento anual impositivo (LOA) é outra prioridade. Ele virá do
orçamento base-zero, em que o retorno social das rubricas é checado a cada ano. O que deixa de funcionar é cortado. Essa é a agenda que importa, e Temer parece apreciar: o governo servindo a sociedade em vez de obrigá-la a servi-lo, esse traço feudal que desabona o país.
Brasília, 00h01min