Coluna no Correio: Vai que dá certo

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POR ANTONIO MACHADO

A gritaria já ouvida de corporações do funcionalismo público e de vários setores empresariais contra a proposta de disciplinar e até moralizar os gastos públicos, enviada ao Congresso pelo presidente interino, Michel Temer, revela que a vontade do governo de atacar o déficit orçamentário, principal causa da desorganização econômica e do desemprego em curso, é autêntica, ainda que faltem detalhes.

Fato é que, apesar de vários deslizes, o vice-presidente da chapa de Dilma Rousseff, a grande responsável pela desordem regulatória e fiscal que empurrou a economia para a recessão “nunca antes vista na história deste país” (retração de cerca de 8% do PIB em dois anos), ambos de partidos envolvidos até a alma em casos de corrupção — o PT, ela, o PMDB, ele, do qual é o comandante licenciado –, começa a indicar que sabe o que faz. É a condição para ser efetivado.

O sucesso deste mandato tampão até 2018 passa por três barreiras. A primeira é a do impeachment de Dilma. A segunda, da capacidade de lidar com uma maioria instável. Vários parlamentares estão à mercê dos inquéritos da Lava-Jato. Além disso, o grosso deles se elegeu a fim de defender o benefício próprio e de seus financiadores. O mais difícil é achar deputado ou senador eleito só pelas suas opiniões.

O terceiro obstáculo depende do compromisso de Temer em resolver a crise das contas públicas conforme o diagnóstico de seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Ele se sustenta na exaustão do modelo distributivista, na inviabilidade dos privilégios do funcionalismo (sobretudo do Judiciário, do Congresso e das carreiras de Estado) e no modus operandi (que vem desde a Constituição de 1988 e a reforma monetária de 1994 desprezou) de solucionar os descompassos fiscais com aumento de impostos e de dívida pública. Esse é o fim de linha.

O país tem sido desde sempre importador líquido de manufaturados, apesar de ter a maior e mais diversificada base industrial entre as economias emergentes depois da China (e maior que a chinesa até os anos 1990), mas nunca teve, salvo por breves períodos, uma presença pujante no mercado internacional. Preferiu nacionalizar e proteger, privilegiando a demanda interna e não o setor externo, a versão do desenvolvimento na Ásia. Gastaram-se bilhões de dólares em subsídio e mais em investimentos privados, mas sem competitividade externa.

O Brexit verde e amarelo

É o Brasil dependente da economia extrativista, cujo último sopro se deu entre 2003 e 2012 (auge do apetite chinês pelas commodities minerais e agrícolas), que se esgotou. E é o que tirou o folego do crescimento econômico, destampando o financiamento inflacionário e gravoso das políticas públicas e a disfuncionalidade do governo.

A desdita de Dilma vem mais desse fenômeno não corrigido a tempo, e tempo houve, que das transgressões petistas. O voto dos ingleses pela saída da União Europeia tem alguma analogia. O chamado Brexit foi a resposta ao aumento da população imigrante e à incapacidade dos governantes em resolver o desemprego. A razão de fundo é outra.
Ela vem da ascensão externa da indústria chinesa nos anos 2000, pondo a pique dois pilares da paz europeia: a generosa política de bem-estar e a demora da Zona do Euro em afrouxar a rigidez cambial.

Elo perdido do progresso

A ênfase social do lulismo atendeu imperativos históricos, mas deu de ombros a duas prioridades relegadas no novo regramento fiscal no duplo governo tucano: um Estado voltado à eficiência e indução (sem o dirigismo nos moldes do capitalismo de Estado do período militar, retomado entre 2007 e 2014 pelos economistas petistas que confundem heterodoxia com estatismo) para a indústria se internacionalizar.

Isso implicava ou mais subsídios de crédito e tributários, como se fez, ou maior abertura comercial e mais acordos de livre comércio — condições para as multinacionais instaladas no país e dominantes na manufatura, como nos setores automotivo e eletroeletrônico, inserir suas operações nas cadeias produtivas globais (um fluxo de partes e componentes responsável por 70% do comércio mundial).

É óbvio que tal movimento elevaria a qualificação do emprego e da educação, se tivesse havido, assim como a industrialização nos anos 1960/70 criou o novo sindicalismo que trouxe Lula em seu bojo.

As surpresas do Congresso

A percepção nas últimas semanas é que ou Temer entende os eventos passados e presentes dos problemas nacionais ou tem sido favorecido pela sorte. Fato é que este mesmo Congresso com maioria fisiológica e bolsões de corrupção aprovou projetos relevantes, como o da nova governança das estatais, e tende a abrir a aviação para o capital externo e a livrar a Petrobras do ônus do monopólio no pré-sal.

Não será surpresa se aprovar com poucas alterações também a emenda constitucional que limita o aumento do gasto orçamentário a partir de 2017, inclusive, à inflação verificada no ano anterior, valendo esse teto aos estados e municípios. Isso é avanço, não retrocesso. E condição para amparar as politicas sociais e reaver o progresso.

Gestando a nova política

O senso de que ninguém vale nada na política, que Temer está mais perdido que paulista chegando de carro no Rio, ou vice-versa, que a economia afundou e não volta tão cedo, tudo isso se deve muito mais à dificuldade de muitos analistas pensarem fora da zona de conforto a que se acostumaram que a problemas insolúveis. Talvez ajude supor que há dois planos: um imediato até 2018 e outro logo em seguida.

Até onde se enxerga, Temer, o Congresso e o tacão da Lava Jato são o que há. Pelo que sugerem fazer, eles devem sustar a demolição das esperanças, que vinha avançada. Mas a oxigenação da política ficará para 2018, incitada pelos ventos tecnológicos, culturais, sociais e demográficos. A velha guarda, que não é só etária, é que não sacou.
Exemplos? O fenômeno do MBL vis-à-vis a regressão da UNE, a turma dos startups tecnológicos, da economia criativa, do 3º setor. É um movimento irrefreável. A nova política fervilha nesse caldeirão.

Brasília, 00h03min

Vicente Nunes