Prestes a completar dois meses no cargo, o ministro da Fazendo, Henrique Meirelles, vai enfrentar, entre hoje e amanhã, seu principal teste de força: a definição da meta fiscal de 2017. Havia um consenso no mercado financeiro de que o chefe da equipe econômica teria total autonomia para tocar assuntos relativos à pasta dele, mas o tempo mostrou que o poder que lhe foi prometido pelo presidente interino, Michel Temer, não era tão grande assim. Meirelles tem encarado muita resistência da ala política instalada no Palácio do Planalto para levar suas ideias adiante.
Na conversa que teve ontem com Temer, Meirelles deixou claro o quanto é importante o governo anunciar uma projeção de deficit para o ano que vem menor do que os R$ 170,5 bilhões de 2016. Para ele, é a credibilidade do comando do país que está em jogo. O embate dos últimos dias em torno do número a ser encaminhado ao Congresso tirou todo o caráter técnico da decisão. Deixou tudo muito parecido com o que ocorria na administração de Dilma Rousseff, na qual o ministro da Fazenda fazia os acertos, mas, na hora decisiva, prevalecia a posição da presidente, influenciada por conselheiros tresloucados.
Ninguém, na equipe de Meirelles, acredita que Temer repetirá o comportamento de sua antecessora. A aposta é de que, com base nos números coletados pela Fazenda e pelo Planejamento, o presidente interino opte por um deficit mais próximo de R$ 150 bilhões. É uma projeção espantosa de rombo nas contas públicas — será o quarto ano seguido de finanças no vermelho —, mas indica que o governo está comprometido em reduzir, ao longo do tempo, o buraco construído pela petista, que adiou despesas, maquiou dados, pedalou créditos e inflou receitas.
Os mais otimistas da equipe de Meirelles acreditam que o número final poderá ser até inferior a R$ 150 bilhões, o que, se confirmado, dará um salto enorme na confiança em relação ao governo. Esse grupo ressalta, porém, que, qualquer que seja o rombo definido para 2017, será uma estimativa realista, que exigirá muito empenho da máquina pública, pois a conta não fechará se não houver receitas extraordinárias, o que pressupõe vendas de ativos e aumento de impostos. Na melhor das hipóteses, o Brasil só voltará a conviver com contas no azul em 2019.
Faturas atrasadas
Os números que estão sobre a mesa de Meirelles mostram que, além do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), também estados e municípios terão deficit em 2017, de cerca de R$ 15 bilhões. Com isso, o rombo final no caixa da União terá que ser menor do que os prováveis R$ 150 bilhões a serem anunciados. Esse raciocínio, lembram técnicos da Fazenda, vale para este ano.
Segundo o projeto aprovado pelo Congresso, o deficit de R$ 170,5 bilhões são de responsabilidade do governo central. Mas há previsão de superavit de R$ 6,5 bilhões para estados e municípios. Assim, o buraco final para todo o setor público tem que ser de R$ 164 bilhões. A equipe econômica identificou, porém, que, em vez de superavit, estados e municípios fecharão 2016 com as contas deficitárias entre R$ 14 bilhões e R$ 16 bilhões. Ou seja, Tesouro, BC e Previdência terão que compensar esse rombo.
“Muitos só olham para os R$ 170,5 bilhões de deficit. Mas há o resultado dos governos regionais, que precisa ser levado em conta”, diz um assessor da Fazenda. Ele ressalta, contundo, que isso não minimiza as responsabilidades da União, cujas contas estão em situação de descalabro. “Nós nos deparamos com números irreais. Somente as receitas estavam infladas em R$ 176,5 bilhões. Havia faturas atrasadas por todos os lados, inclusive de coisas menores, como tarifas bancárias”, afirma.
Assessores de Meirelles reconhecem que é difícil para grande parte do público entender o porquê de o atual governo definir uma meta deficit tão elevada, sobretudo diante dos aumentos de gastos anunciados logo depois de Temer chegar ao Palácio do Planalto, como os reajustes dados aos servidores públicos. “Simplesmente, trouxemos as contas para a realidade”, reforça um técnico. Ele frisa que as críticas vão continuar quando o rombo de 2017 for oficializado. Ao governo, caberá ser transparente e afastar todas as dúvidas que pairam no ar, principalmente porque o discurso fiscalista assumido pelo ministro da Fazenda ficou muito mais fraco.
Contradições
Na ânsia por receitas, a Fazenda se tornará um calo para os demais ministérios. A ordem de Meirelles é para que seus assessores agilizem a venda de todos os ativos que estão sob a responsabilidades de outras pastas. Tal premissa valerá para as concessões. A equipe econômica identificou muita morosidade na elaboração de processos, atrasando a entrada de recursos no caixa do Tesouro. “Daqui por diante, vamos pressionar e cobrar. É nosso interesse que o dinheiro chegue a nós o mais rapidamente possível”, destaca um assessor ministerial. Sem esses recursos extras, admite ele, o rombo de 2017 teria que ser bem maior, talvez próximo dos R$ 170,5 bilhões que o ministro da Fazenda nem quer ouvir falar.
Toda a pressão que o governo está sofrendo em relação às contas públicas foi estimulada pelo Palácio do Planalto, que assumiu uma postura contraditória. O discurso era de responsabilidade fiscal, mas as ações remetiam para a gastança do governo Dilma. Resta, agora, reconstruir as pontes em direção à credibilidade. O anúncio do rombo de 2017 é só o começo.
Brasília, 00h12min